Em Bananal, interior de São Paulo, um caso brutal de maus-tratos ganhou repercussão nacional: um cavalo foi forçado a cavalgar por cerca de 15 quilômetros em estrada de terra sob sol intenso, até cair de exaustão, sem qualquer assistência veterinária ou descanso adequado. O animal morreu no local após sofrer colapso físico causado pelo esforço extremo e pela negligência do tutor.
A violência não parou aí. Já sem vida, o cavalo teve duas patas amputadas e recebeu golpes de facão no abdômen, supostamente para facilitar o descarte do corpo em uma área de difícil acesso. O ato gerou ainda mais revolta, pois não apenas a exploração do animal resultou em sofrimento e morte, mas também a forma desumana e cruel com que o corpo foi tratado depois.
O autor, Andrey Guilherme Nogueira de Queiroz, admitiu o ato, alegando ter agido em um momento de “transtorno” após consumo de álcool. A repercussão foi imediata: ativistas como Luisa Mell e artistas como Ana Castela usaram as redes sociais para exigir justiça e penas exemplares, reforçando a mobilização popular contra os maus-tratos e a favor de leis mais severas.
A legislação brasileira considera os maus-tratos a animais crime previsto na Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais, art. 32). A pena pode variar de 3 meses a 1 ano de detenção, além de multa. Em caso de morte, a pena aumenta de 1/6 a 1/3.
Com a Lei 14.064/2020, os crimes contra cães e gatos passaram a ter punições mais severas:
Pena de 2 a 5 anos de reclusão (não mais detenção)
Multa e proibição de guarda de animais
O crime deixou de ser considerado de menor potencial ofensivo
Em Ponta Grossa (PR), o caso do cão Tokinho marcou a história jurídica brasileira. Em 2023, a juíza Poliana Maria Cremasco Fagundes Cunha Wojciechowski reconheceu o animal como parte autora em processo contra seu ex-tutor por maus-tratos.
Decisão inédita:
Tokinho foi indenizado em R$ 820 por danos materiais e R$ 5.000 por danos morais
Primeiro caso no Brasil a reconhecer um animal como sujeito de direitos processuais
Abriu precedente para que ONGs possam representar animais em ações judiciais
Esse caso dialoga com outro precedente importante do TJ-PR (2021), em que cães Spyke e Rambo foram reconhecidos como autores em ação judicial em Cascavel.
O conceito de senciência animal — a capacidade de sentir dor, prazer e emoções — já é oficialmente reconhecido em diferentes níveis:
No Brasil (federal): o Ministério do Meio Ambiente adota o termo “senciência animal” em normas oficiais e uma comissão de juristas no Senado propôs atualizar o Código Civil para retirar os animais da categoria de “coisa”.
No Rio de Janeiro (Lei 8.493/2024): cães foram reconhecidos como seres sencientes, com sanções mais rigorosas para maus-tratos.
No Distrito Federal (Lei 7.535/2024): animais não-humanos foram reconhecidos como seres sencientes e sujeitos de direito, não podendo mais ser tratados como objetos.
Na bioética: a Declaração de Curitiba (Congresso de 2024) reforçou o entendimento de que animais não são objetos, mas seres com dignidade própria.
Reconhecimento jurídico da capacidade processual dos animais
Indenizações por danos morais e materiais
Proibição de guarda em casos de maus-tratos
Penas mais severas para crimes contra cães e gatos
Propostas legislativas no Congresso Nacional para ampliar a tutela jurídica de animais em todo o país
Nós, médicos-veterinários, somos peças-chave nessa transformação:
Laudos técnicos detalhados fortalecem ações judiciais
A medicina veterinária forense cresce como área especializada
Parcerias com ONGs de proteção animal tornam-se estratégicas
Ética e bioética devem guiar o exercício da profissão, considerando os animais como sujeitos de direito e seres sencientes
O caso brutal do cavalo em Bananal (SP) e o histórico Caso Tokinho (PR) mostram que a luta contra os maus-tratos vai muito além da comoção: ela exige punições severas, mudanças culturais e evolução legislativa.
O reconhecimento da senciência animal no Brasil, Rio de Janeiro e Distrito Federal é um marco histórico e precisa ser fortalecido.
Proteger os animais é proteger a dignidade da vida. E a medicina veterinária está no centro dessa mudança, unindo ciência, ética e compaixão para construir um futuro em que cada ser vivo seja respeitado em sua plenitude.
Dr. Marcelo Müller é médico-veterinário com mestrado em Pesquisa Clínica, especializado em clínica médica e cirúrgica de pequenos animais, bem-estar animal e atendimento veterinário domiciliar. Atua na promoção de saúde preventiva e integrativa, com foco no diagnóstico precoce, respeito à senciência animal e fortalecimento do vínculo entre pets e tutores. Autor do livro Meu Pet… Meu Mundo….
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PRISCILA GONZALEZ NAVIA PIRES DA SILVA
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