Pergunta: Professor, por que a Reforma Administrativa tem sido chamada de uma das mais polêmicas propostas em discussão no Brasil?
Resposta – Prof. Leandro Velloso:
A Reforma Administrativa é polêmica porque mexe em pilares históricos do serviço público brasileiro. Ela propõe alterações no regime de estabilidade, nos vínculos, nas carreiras e até no modelo de remuneração. A estabilidade, prevista no artigo 41 da Constituição, não seria extinta, mas passaria a depender de critérios de desempenho e de um período probatório ampliado. Isso gera um debate intenso: de um lado, há quem veja eficiência; de outro, o receio de fragilizar a autonomia institucional.
Pergunta: A estabilidade é um dos pontos mais sensíveis. O que a proposta altera exatamente?
Resposta – Prof. Leandro Velloso:
A estabilidade deixa de ser garantida após três anos, como é hoje, e passa a exigir cinco anos de efetivo exercício, com avaliações periódicas de desempenho. O servidor que não atender a critérios de produtividade, ética e cumprimento de metas não conquista a estabilidade.
Essa alteração busca aproximar o Brasil das práticas internacionais, especialmente da OCDE, onde a avaliação de desempenho é uma realidade consolidada. No entanto, precisamos compreender que a estabilidade não é um privilégio pessoal do servidor, mas um mecanismo institucional de proteção contra pressões políticas e perseguições internas.
Pergunta: Críticos afirmam que a proposta enfraquece o caráter protetivo da estabilidade. O senhor concorda?
Resposta – Prof. Leandro Velloso:
Esse é o maior risco. Se as avaliações forem mal formuladas ou subjetivas, podem se tornar instrumentos de retaliação. Imagine um servidor que fiscaliza irregularidades em contratos públicos e, por isso, sofre pressões. Sem estabilidade robusta, ele fica vulnerável.
O relatório até tenta minimizar esse risco, propondo que avaliações sejam transparentes e acompanhadas por Tribunais de Contas, mas a linha é tênue. Eficiência não pode ser confundida com instabilidade funcional.
Pergunta: O relatório prevê bônus vinculados a metas. Como isso afeta a remuneração?
Resposta – Prof. Leandro Velloso:
Sim, o texto cria o chamado bônus de resultado, que funciona como uma remuneração extra vinculada ao cumprimento de metas coletivas. É uma tentativa de trazer a lógica do setor privado para a gestão pública, premiando resultados concretos.
O problema é que nem todas as atividades públicas são mensuráveis. Áreas técnicas, estratégicas ou ligadas à formulação de políticas podem não ter indicadores claros. Isso gera desigualdade, porque setores mais fáceis de medir seriam favorecidos, enquanto outros poderiam ser injustamente penalizados.
Pergunta: Há mudanças no número de carreiras e cargos de confiança?
Resposta – Prof. Leandro Velloso:
Sim. O relatório propõe reduzir o número de carreiras e limitar cargos comissionados a 5% do total de servidores, sendo que ao menos metade desses deve ser ocupada por concursados. O objetivo declarado é combater o clientelismo e o loteamento político, fortalecendo critérios técnicos nas nomeações.
Além disso, a progressão automática por tempo de serviço deixaria de existir. Cada promoção dependeria de avaliação objetiva. É um avanço sob o ponto de vista gerencial, mas exige um sistema de avaliação robusto, transparente e realmente republicano.
Pergunta: O texto fala em desligamento por desempenho insuficiente. Isso compromete a segurança jurídica dos servidores?
Resposta – Prof. Leandro Velloso:
Esse é outro ponto delicado. A Constituição já prevê a demissão por baixo desempenho, mas de forma mais restrita. O relatório da Reforma torna esse dispositivo mais rígido, permitindo a demissão caso o servidor registre dois ciclos consecutivos de avaliação negativa.
Aqui, novamente, tudo depende de como os critérios serão formulados. Se forem objetivos, transparentes e com direito de defesa, pode ser um mecanismo legítimo. Mas se forem subjetivos, abrem espaço para arbitrariedades e perseguições.
Pergunta: O cidadão comum será afetado pela Reforma?
Resposta – Prof. Leandro Velloso:
Sem dúvida. Hospitais, escolas, órgãos de segurança e fiscalização sentirão os efeitos diretos. Se o sistema funcionar com transparência, o cidadão pode ter um serviço público mais ágil e eficiente. Mas, se a estabilidade for enfraquecida, o risco é de politização, rotatividade de profissionais e perda de continuidade em políticas públicas. Isso afeta diretamente a qualidade do atendimento à população.
Pergunta: Em resumo, a Reforma Administrativa representa avanço ou retrocesso?
Resposta – Prof. Leandro Velloso:
Depende da implementação. Pode ser um avanço técnico se garantir meritocracia com transparência e controle institucional. Mas, se não houver salvaguardas sólidas, corre-se o risco de retroceder, enfraquecendo a autonomia do servidor e tornando o serviço público vulnerável a ingerências políticas.
A eficiência administrativa não deve ser confundida com submissão política. A estabilidade existe para garantir que o servidor sirva ao Estado e à sociedade, não apenas ao governo de ocasião.
A Reforma Administrativa se apresenta como um divisor de águas. De um lado, a promessa de modernização e eficiência; de outro, o temor de que seja o início do fim silencioso da estabilidade. O debate, mais do que jurídico, é institucional e democrático: que tipo de serviço público o Brasil quer para as próximas décadas?
Mini Currículo do Autor
Leandro Velloso – Professor de Direito Administrativo, Mestre e Pesquisador em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV/ES).
Docente de Direito na Universidade Estácio de Sá (UNESA) e Professor de Pós-Graduação da Escola Superior de Advocacia da OAB/RJ e do Curso Esfera RJ.
Membro do Grupo de Pesquisa BIOGEPE/FDV-ES.
Pós-graduado em Direito Contratual pela PUC/SP e em Direito Processual Civil pela UCAM/RJ.
Gestor Público, Advogado e Autor de 16 livros jurídicos.
Colunista da Revista Bonijuris.
Contato: [email protected]
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PRISCILA GONZALEZ NAVIA PIRES DA SILVA
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