Invisíveis nas Cidades Inteligentes: a mobilidade dos Deficientes Visuais no Brasil

Grazielle Ueno

VALQUIRIA MARCHIORI
01/10/2025 17h01 - Atualizado há 3 horas

Invisíveis nas Cidades Inteligentes: a mobilidade dos Deficientes Visuais no Brasil
Rodrigo Leal

Em tempos de debates sobre cidades inteligentes, digitalização de serviços e avanços tecnológicos que prometem transformar a vida urbana, ainda surpreende constatar a exclusão enfrentada por milhões de brasileiros. Segundo o Censo de 2022 do IBGE, existem cerca de 14,4 milhões de pessoas com deficiência no país, sendo 7,9 milhões com deficiência visual. Esses números revelam uma realidade preocupante: enquanto parte da população usufrui de inovações digitais, outra permanece invisível diante de barreiras físicas, comunicacionais e sociais. O direito à mobilidade, assegurado em lei, continua distante da prática cotidiana, o que reforça a convicção de que a deficiência visual no Brasil é um problema de cidadania negligenciado pelo poder público e que só encontrará solução se a tecnologia for usada de forma inclusiva e democrática.

O cotidiano das pessoas com deficiência visual exibe as fragilidades da mobilidade urbana no Brasil. Ruas esburacadas, ausência de pisos táteis, semáforos sem sinalização sonora e transporte coletivo sem acessibilidade revelam um cenário de exclusão silenciosa. Essa realidade contrasta com o discurso de inovação que pauta o planejamento urbano de muitas cidades. Fala-se em conectividade, automação e inteligência artificial, mas ignora-se o básico: garantir que todos tenham condições seguras de se locomover.

A contradição é evidente. De um lado, existe uma legislação robusta que garante direitos fundamentais; de outro, o abismo entre norma e prática permanece. Nesse contexto, a tecnologia pode e deve ser um divisor de águas. O aplicativo SeeWay, criado por estudantes universitárias em Curitiba, exemplifica essa possibilidade ao propor recursos que orientam usuários cegos no transporte coletivo, com comandos de voz, alertas de parada e comunicação direta com os motoristas. Iniciativas como essa mostram que inovação, quando voltada para a inclusão, pode se tornar instrumento de justiça social e urbana.

No entanto, há um risco que precisa ser dimensionado e enfrentado. O alto custo de equipamentos, a exclusão digital e as desigualdades socioeconômicas podem restringir o alcance dessas soluções, transformando-as em privilégios. Tecnologia sem acessibilidade universal não é inclusão; é apenas um reforço do abismo social. Por isso, é essencial que tais inovações sejam integradas às políticas públicas, recebam apoio institucional e sejam pensadas para atender a toda a população, e não apenas a quem pode pagar por elas.

A deficiência visual no Brasil vai além de uma questão de saúde ou limitação física: trata-se de um problema de cidadania e justiça social. Mobilidade não deve ser entendida apenas como deslocamento de um ponto a outro, mas como condição para participar plenamente da vida em sociedade. Diante disso, defendo que a tecnologia tem o potencial de ser ponte para a inclusão, desde que seja acessível, democrática e integrada às políticas urbanas. Quando usada nesse sentido, deixa de ser promessa futurista e se transforma em um projeto real de transformação coletiva. Afinal, não se pode falar em cidades inteligentes enquanto milhões de brasileiros permanecem invisíveis em suas próprias ruas.

*Grazielle Ueno é professora e coordenadora de curso do Centro Universitário Internacional Uninter. Doutora em Tecnologia e Sociedade, mestre em Turismo e especialista em Educação e em Meio Ambiente.

 


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VALQUIRIA CRISTINA DA SILVA
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