O Estatuto Digital da Criança e do Adolescente será suficiente para barrar a pedofilia?

Relly Amaral Ribeiro (*)

JULIA ESTEVAM
01/10/2025 16h45 - Atualizado há 2 horas

O Estatuto Digital da Criança e do Adolescente será suficiente para barrar a pedofilia?
Rodrigo Leal

A pedofilia é uma das formas mais perversas de violência contra crianças e adolescentes. Mais do que um crime, é um mercado internacional que movimenta bilhões de dólares por ano, alimentado por redes criminosas que se aproveitam da vulnerabilidade de menores e da fragilidade da fiscalização online. No Brasil, esse cenário ficou ainda mais evidente após denúncias recentes que viralizaram nas redes, obrigando o país a olhar para uma realidade muitas vezes silenciada: a exploração infantil digitalizada é cada vez mais sofisticada.

Esse debate encontrou um ponto de virada no Congresso Nacional após denúncias do influenciador digital conhecido como Felca . O Projeto de Lei 2628/2022, que tramitava há anos, ganhou força e, em 2025, foi finalmente aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, aguardando apenas a sanção presidencial. Trata-se da criação do Estatuto Digital da Criança e do Adolescente, um marco regulatório que atualiza a legislação para o ambiente virtual.

O trâmite foi simbólico: em meio à pressão social e à visibilidade do tema, parlamentares de diferentes espectros políticos se uniram em torno da causa. O Estatuto Digital surge como resposta ao clamor público por medidas mais duras contra a pedofilia e outros riscos que assolam a infância nas redes sociais, como o bullying, o incentivo ao suicídio, a automutilação e os jogos de azar.

O texto aprovado traz inovações importantes. Obriga fornecedores de tecnologia e plataformas digitais a adotar medidas preventivas para restringir o acesso de crianças e adolescentes a conteúdos nocivos. Entre as medidas, estão a remoção de conteúdos prejudiciais, a implementação de ferramentas de controle parental, a restrição na coleta de dados de menores e a definição de parâmetros claros de classificação indicativa digital. Além disso, prevê a criação de uma autoridade administrativa autônoma, responsável por fiscalizar o cumprimento das normas e aplicar sanções às empresas que descumprirem a lei.

Na teoria, o avanço é inegável. Pela primeira vez, apesar de anos de denúncia por parte de outros influenciadores, mães e organizações da sociedade civil,- o Brasil passa a tratar com clareza a proteção digital da infância como um dever compartilhado entre Estado, família e empresas de tecnologia. Mas a questão que se coloca é: o Estatuto será eficaz na prática?

A experiência mostra que leis no Brasil muitas vezes nascem com grande repercussão, mas sofrem para “sair do papel”. No caso da proteção digital, os desafios são ainda maiores. Plataformas globais, com sedes fora do país, tendem a reagir mais à pressão econômica e política do que a legislações nacionais. A autoridade autônoma, por sua vez, precisará de independência real, orçamento robusto e respaldo jurídico para enfrentar gigantes tecnológicos e desarticular redes criminosas digitais.

Outro ponto crucial é o papel das famílias. Nenhuma lei substitui a presença ativa de pais e responsáveis no acompanhamento da vida digital dos filhos. O controle parental não pode ser visto apenas como uma ferramenta técnica, mas como parte de uma cultura de diálogo, orientação e cuidado. Sem essa mediação, a tecnologia continuará criando atalhos para exploradores que lucram com a inocência infantil.

O poder público também precisará ir além da criação da lei. Investimentos em educação digital, campanhas de conscientização e capacitação de professores e profissionais de saúde são essenciais. A proteção não se limita à remoção de conteúdos, mas à construção de um ambiente de prevenção, informação e cidadania digital. Também o controle social da sociedade civil através de nós  -  cidadãos - movimentos sociais e conselhos de direitos é muito importante e precisará acontecer por meio de fiscalização e acompanhamento de perto da aplicabilidade da lei, além de denunciar quando assim for necessário.

Por fim, é preciso encarar a pedofilia pelo que ela é: um negócio global altamente lucrativo. Estimativas internacionais apontam que o mercado ilegal de exploração sexual infantil além de gerar uma fortuna todos os anos, utilizam redes e tecnologias avançadas de criptografia e inteligência artificial para escapar do rastreamento. Combater essa indústria exige articulação internacional, colaboração entre governos, atuação das polícias, e sobretudo, firmeza na aplicação da lei.

O Estatuto Digital da Criança e do Adolescente é um passo histórico e necessário. Mas ele só fará diferença se for encarado como mais do que uma conquista legislativa. Sua eficácia dependerá da capacidade de transformar letra de lei em ação concreta, unindo pais, poder público e plataformas digitais em torno de uma responsabilidade coletiva. A infância não pode esperar: o desafio é garantir que este não seja mais um estatuto para os arquivos, mas um escudo real contra um dos crimes mais lucrativos e devastadores do nosso tempo.

(*) Relly Amaral Ribeiro é assistente social, mestra em Serviço Social e Política Social e atualmente professora e mediadora pedagógica de cursos de pós-graduação na UNINTER

 


Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
JULIA CRISTINA ALVES ESTEVAM
[email protected]


Notícias Relacionadas »
Comentários »
Comentar

*Ao utilizar o sistema de comentários você está de acordo com a POLÍTICA DE PRIVACIDADE do site https://itaqueraemnoticias.com.br/.