Monitoramento digital corporativo: eficiência ou invasão de privacidade?

Cynthia Castro
22/09/2025 20h08 - Atualizado há 5 horas

 

Por Arthur Felipe Martins*

Se tem uma coisa o brasileiro sabe fazer é trabalhar. O nosso povo não é preguiçoso: encara longas jornadas no transporte público ou gasta muitas horas nas intermináveis filas do trânsito das grandes cidades para garantir o pão de cada dia, mantendo relativo bom humor no processo.

Para quem passava grande parte da sua vida sentado no banco de um veículo, o teletrabalho veio como uma tábua de salvação: as horas na comuta foram resumidas aos minutos gastos entre o quarto e o home office, permitindo ganhos de produtividade e qualidade de vida.

Só que o brasileiro, além de trabalhador, é criativo. Pena que às vezes, essa criatividade é usada no caminho errado: logo o pessoal começou a “fingir que trabalhava” nas jornadas em casa, aproveitando a aparente distância do olhar do patrão.

Assim, a notícia da demissão em massa em um grande banco, supostamente provocada pelo monitoramento de produtividade a distância, caiu como um balde de água fria no mundo corporativo. E, como acontece sempre que um gigante do mercado mexe as peças no tabuleiro, fica a pergunta: até que ponto o empregador pode monitorar seus empregados por meios telemáticos?

No século passado, o maior medo do empregado era o chefe passar atrás da mesa e ver a tela aberta no MSN ou no Orkut. Hoje, os tempos são outros: cada clique, cada toque no teclado, cada e-mail e até mesmo o tempo que o comunicador oficial da empresa fica minimizado podem estar sob escrutínio. As soluções que fazem esse monitoramento atuam sem que o usuário sequer tenha conhecimento, inclusive.

A legislação trabalhista permite o monitoramento dos meios fornecidos pela empresa, como computadores, celulares e e-mails, desde que isso seja feito com transparência e proporcionalidade. A LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) reforça a necessidade de informar o empregado sobre quais dados são coletados e para qual finalidade. E o empregador inclusive deveria se preocupar com isso: um empregado que use o seu equipamento para aplicar golpes virtuais, por exemplo, pode atrair a responsabilidade do crime para o empregador num primeiro momento de investigação. Resumindo: pode monitorar, mas não pode bancar o espião secreto sem aviso prévio.

Ainda não temos detalhes públicos e claros sobre os motivos que levaram o banco a desligar tanta gente de uma só vez. Mas é inevitável pensar se não há algum algoritmo interno, alimentado por dados de produtividade, que está decidindo quem fica e quem sai.

Se por um lado a tecnologia traz eficiência, por outro acende um alerta jurídico. Decisões automatizadas — como demitir alguém com base em relatórios gerados por sistemas — precisam respeitar princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e o direito à informação. A LGPD, inclusive, prevê o direito de revisão de decisões automatizadas (art. 20), e, se o banco assumir que utilizou esse tipo de critério, vai precisar dar transparência e direito de defesa.

A discussão tradicional no mundo do trabalho é definir até onde o empregador pode ir sem invadir a intimidade do empregado. O monitoramento do cumprimento de jornada nem entra nessa discussão: é lícito e pode ocorrer inclusive no trabalho remoto. Os fiéis da balança, aqui, são a finalidade legítima do acesso e o consentimento prévio. Em outras palavras, o empregador que pretende fazer esse monitoramento deve deixar todos cientes disso desde o início.

O cenário verificado nos últimos dias serve como lembrete de que todo usuário de tecnologia pode ser alvo de alguma camada de monitoramento. Sendo ela indevida, a justiça pode e deve corrigir, mas eventualmente esta correção pode ser mais tardia do que o adequado.

Por trás dos números dos algoritmos existem pessoas. Ninguém merece ser tratado como um pixel na tela do gestor. O desafio está justamente em encontrar o equilíbrio entre performance corporativa e direitos fundamentais.

 * Dr. Arthur Felipe Martins é advogado trabalhista, especialista em direito e processo do trabalho e direito acidentário. Mestrando em direito do trabalho pela PUC-SP. Professor em cursos jurídicos voltados ao direito do trabalho e correlações com o direito previdenciário. 


 

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CYNTHIA SILVA CASTRO
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