Psicóloga mineira resgata memórias da loucura e transformação no símbolo nacional da saúde mental do Brasil

Psicóloga mineira resgata memórias da loucura e transformação no símbolo nacional da saúde mental do Brasil

MAGDA BUENO
28/07/2025 20h25 - Atualizado há 22 horas

Psicóloga mineira resgata memórias da loucura e transformação no símbolo nacional da saúde mental do Brasil
Divulgação Assessoria de Imprensa
Durante décadas, o nome de Barbacena esteve associado ao Hospital Colônia, instituição psiquiátrica mineira denunciada por violações sistemáticas de direitos humanos e pelo tratamento degradante de pessoas internadas. Estima-se que mais de 60 mil mortes tenham ocorrido no local ao longo do século 20, muitas sem qualquer justificativa clínica.

No mesmo município, entre os anos 2000 e 2020, consolidou-se uma das experiências mais expressivas da reforma psiquiátrica brasileira. E parte dessa mudança foi registrada e também conduzida por Kennya Rodrigues Nézio, psicóloga, pesquisadora e professora que fez de sua trajetória acadêmica um instrumento de reconstrução da memória coletiva e de transformação concreta das práticas em saúde mental.


Natural de Barbacena, Kennya cresceu ouvindo relatos sobre o cotidiano dos hospitais psiquiátricos locais. Durante sua formação em psicologia e posteriormente no mestrado, já buscava compreender como a cidade lidava com a herança da institucionalização em massa. A partir de 2012, decidiu aprofundar esse percurso. Em sua dissertação, investigou a criação dos primeiros Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) implantados no município, moradias públicas voltadas para egressos de longa internação psiquiátrica.

Anos depois, sua tese de doutorado, defendida na PUC Minas, ampliou esse recorte. Com base em entrevistas e acervos históricos, Kennya mapeou a atuação de trabalhadores da saúde, militantes e gestores que, desde os anos 1980, enfrentaram resistências institucionais para reformular a rede de atenção à saúde mental da cidade. A pesquisa recupera ainda a influência da Psiquiatria Democrática Italiana e do trabalho de Franco Basaglia, psiquiatra que visitou Barbacena em 1979 e comparou o hospital local a um campo de concentração.

O trabalho de Kennya conjuga pesquisa histórica, análise institucional e depoimentos de pessoas que participaram da construção da rede substitutiva ao modelo asilar. Essa abordagem contribuiu para que sua produção ganhasse reconhecimento entre pesquisadores da saúde coletiva, gestores públicos e conselhos de saúde mental. Seu livro baseado na tese circula em programas de formação, concursos públicos e cursos técnicos voltados à atenção psicossocial.

Além da produção acadêmica, a psicóloga também atuou como professora da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e da Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC). Em ambas, coordenou projetos de extensão voltados para o SUS, com foco na formação de profissionais em saúde mental e no fortalecimento das redes de atenção básica. Sua experiência como orientadora de alunos de graduação e pós-graduação foi marcada pelo incentivo a pesquisas com base territorial e diálogo direto com os serviços públicos.

Em 2016, participou do Workshop de Editoração Científica da ABEC (Associação Brasileira de Editores Científicos). A partir dessa formação, envolveu-se na reativação da Revista de Saúde Mental e Subjetividade, voltada à publicação de experiências e estudos sobre atenção psicossocial. O periódico, que enfrentava dificuldades editoriais, voltou a circular com regularidade sob sua coordenação editorial.

Kennya também foi presença constante em congressos e seminários sobre saúde pública, atuando como conferencista, debatedora e organizadora de mesas sobre saúde mental, direitos humanos e políticas públicas. Em suas falas, costuma combinar dados históricos, relatos de campo e reflexão crítica sobre os limites e possibilidades das práticas atuais de cuidado em liberdade.

Em Barbacena, sua atuação contribuiu para o planejamento e implantação de estratégias intersetoriais entre assistência social, saúde e educação. Trabalhou também na articulação entre serviços residenciais e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), participando da elaboração de protocolos de acompanhamento e inclusão de usuários no território. Sua experiência como psicóloga da rede pública deu sustentação prática ao que hoje registra como pesquisadora.

Hoje, seu nome aparece frequentemente citado em bibliografias sobre saúde mental no Brasil. Estudantes e profissionais da área buscam seus textos para compreender os impactos da reforma psiquiátrica no interior do país, longe dos grandes centros. Suas análises têm sido utilizadas em cursos de capacitação de equipes do SUS, formações em direitos humanos e planejamento de políticas públicas.
Ao contar a história da desinstitucionalização de Barbacena, ela reabre também o diálogo sobre o presente da saúde mental brasileira. A cidade que um dia foi símbolo do manicômio hoje abriga moradias públicas, CAPS, centros de convivência e serviços voltados à reintegração social. Em boa parte, essa virada foi acompanhada por Kennya — não apenas como testemunha, mas como uma das vozes que ajudaram a construir esse novo cenário.

 

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