A cena é comum em muitas escolas de Educação Infantil: uma criança morde o colega. O choro, a marca no braço e a apreensão de educadores e famílias surgem de imediato. Muitas vezes, junto com a preocupação, aparecem também sentimentos de frustração, dúvidas e até julgamentos, como “Será que essa criança é agressiva?”, “O que a escola está fazendo para evitar isso?”. Mas, antes de buscar culpados, é importante compreender que a mordida faz parte do desenvolvimento infantil.
Embora seja uma situação desconfortável, trata-se de uma expressão natural em determinadas fases, especialmente entre 1 e 3 anos, quando as crianças ainda estão aprendendo a se comunicar, a conviver em grupo e a lidar com as próprias emoções.
Quando observo esses episódios, percebo que as causas da mordida são variadas, mas quase sempre apontam para a mesma direção: a imaturidade no processo de comunicação e de autorregulação. Muitas vezes, a criança morde porque está descobrindo o mundo pela boca, principalmente na fase de nascimento dos dentes; outras vezes, porque ainda não consegue expressar desejos e frustrações pela fala.
Há também situações de disputa por espaço ou por objetos, quando o pequeno quer defender algo que considera seu, ou ainda momentos em que emoções intensas, como raiva, cansaço ou até mesmo euforia, se tornam difíceis de controlar. Por isso, não vejo a mordida como um sinal de agressividade, mas sim como um pedido de ajuda da criança, que precisa de apoio para aprender a lidar com suas emoções e interações sociais.
Nesse processo, o papel da escola é fundamental. Quando uma mordida acontece, precisamos acolher a situação sem estigmatizar nenhuma das crianças envolvidas, nem quem mordeu, nem quem foi mordido. O trabalho pedagógico deve ser sempre intencional e cuidadoso, onde o conforto e o acolhimento são necessários para a criança que foi mordida, mas também é essencial ajudar quem mordeu a entender os efeitos da sua ação.
Costumo, por exemplo, nomear a situação, colocando em palavras o que aconteceu e mostrando que existem outras formas de se expressar. É assim que abrimos espaço para ensinar alternativas, incentivando o uso da fala, gestos e atitudes de compartilhamento. Ao mesmo tempo, trabalhamos a empatia, seja em rodas de conversa, histórias ou brincadeiras que reforçam o respeito pelo outro.
E, assim como a escola, a família também tem um papel essencial nesse caminho. Não é fácil descobrir que o filho foi mordido, mas tampouco é simples ouvir que ele mordeu um colega. Nessas horas, a escola precisa acolher as famílias, reconhecendo seus sentimentos e oferecendo informações claras sobre como está conduzindo a situação. Esse cuidado evita que o episódio seja visto como “culpa” de uma criança ou da outra e, em vez disso, fortalece a parceria entre escola e família.
Em casa, os pais podem reforçar atitudes positivas, estimular a fala, conversar sobre sentimentos e valorizar gestos de cuidado com os outros. Quando a família se sente apoiada, a tendência é que se engaje ainda mais no processo educativo, ao invés de se sentir julgada.
Se encarada de forma punitiva ou culpabilizadora, a mordida tende a gerar medo e insegurança. Mas acredito que, quando vista como parte do processo de desenvolvimento, pode se transformar em oportunidade pedagógica valiosa, ensinando o respeito, o autocontrole, a empatia e a convivência.
No fim das contas, cada mordida não é só um problema a ser resolvido, mas um convite para educar com paciência, parceria e acolhimento, ajudando as crianças, mas também suas famílias, a crescerem como sujeitos mais conscientes de si e do outro.
*Tais Romero é diretora pedagógica da Global Me School, escola referência em ensino bilíngue infantil.
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GIOVANNA REBELO ALVES
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