Um ano após as enchentes, lideranças feministas cobram ações do poder público no RS

Carta coletiva assinada por lideranças feministas do Rio Grande do Sul foi elaborada em oficina promovida pela Associação Portal Catarinas.

DANIELA VALENGA
27/08/2025 11h28 - Atualizado há 7 horas

Um ano após as enchentes, lideranças feministas cobram ações do poder público no RS
Roberta Perin/Portal Catarinas

“E agora, o que vai ser de nós? Quando vai acontecer de novo?”: a inquietação expressa por lideranças feministas nas oficinas promovidas pela Associação Portal Catarinas, em Porto Alegre (RS), nos dias 1 e 2 de agosto, ecoa na carta enviada a autoridades públicas. 

O documento assinado por mulheres que atuaram nas enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul, cobra respostas sobre a proteção das populações mais vulneráveis e sobre as medidas para mitigar os efeitos da crise climática. A carta nasce de um processo participativo que valoriza a memória coletiva e as redes de cuidado tecidas por mulheres e comunidades durante e após a tragédia.

O documento é assinado por mulheres de diferentes trajetórias e frentes de luta: mães, lideranças comunitárias, promotoras legais populares, defensoras de direitos humanos, mulheres de axé, trabalhadoras do sexo, comunicadoras, além de integrantes de coletivos, redes e organizações sociais. Todas elas se reuniram nas Oficinas Incidência Política para Justiça Reprodutiva e Climática para construir, de forma coletiva, demandas e questionamentos ancorados em suas vivências, saberes e experiências territoriais.

Acesse a carta aqui.

As oficinas Incidência Política para Justiça Reprodutiva e Climática aconteceram no Espaço Força e Luz, centro da capital gaúcha, e tiveram apoio do Instituto E Se Fosse Você?. A iniciativa integra o compromisso do Catarinas com o FP2030, uma iniciativa global que busca garantir acesso universal ao planejamento familiar e aos direitos reprodutivos até 2030, e tem o apoio da FP2030, Share-Net Colômbia, Profamilia e Save the Children.

Em fevereiro, o Catarinas lançou o Guia da Esperança: práticas para garantir justiça reprodutiva e climática, publicação que, a partir da integração entre conhecimento científico e experiência vivida, apresenta diretrizes para enfrentar as desigualdades de gênero em contextos de crise climática. Juntamente, foram publicadas três reportagens especiais que abordam os impactos das enchentes no Rio Grande do Sul sobre os grupos mais vulneráveis, especialmente mulheres e meninas. 
 

Corpografia: politizando as emoções no corpo coletivo

A partir das ideias apresentadas no Guia da Esperança, as oficinas valorizaram a memória coletiva e as redes de cuidado formadas pelas próprias mulheres e comunidades durante e após o desastre climático. Participaram 12 lideranças feministas de diferentes movimentos sociais, que avaliaram o guia em relação ao conteúdo, linguagem, aplicabilidade, acessibilidade e com sugestões de melhorias. 

As participantes vivenciaram a corpografia — metodologia feminista que reconhece o corpo como território de memória e autocuidado. Na prática, a atividade consistiu em formar grupos para desenhar um corpo coletivo, sobre o qual foram inscritos símbolos e imagens que expressavam sentimentos e experiências vividas durante a enchente.

“Esses corpos-territórios nas enchentes, ora fortalecidos já que estiveram à frente dos processos de acolhimento e assistência ora fragilizados, interiorizaram de diferentes maneiras as experiências da catástrofe”, explica Nicole Ballesteros, presidenta da Associação Portal Catarinas, que conduziu as oficinas.

Paula Guimarães, diretora executiva do Catarinas, destacou que a presença das lideranças mulheres na linha de frente não ocorre por acaso: “No cotidiano, já assumem esse papel, e isso se intensificou durante as enchentes”. Entre dores, memórias e resistências, a corpografia transformou vivências individuais em denúncia coletiva, revelando tanto a injustiça territorial quanto a força das práticas de cuidado e esperança.

O luto pelas perdas materiais e simbólicas foi trazido em relatos como o de Claudia Prates, da Marcha Mundial das Mulheres: “Eu via todos os dias a água subindo um pouco mais, até que ela entrou na minha casa. Perdi quase tudo que tinha no andar de baixo, inclusive as fotos da Marcha”, contou emocionada. 

A psicóloga Tayara Maronesis, do Instituto E Se Fosse Você?, destacou a importância da memória como ferramenta coletiva de enfrentamento. Para ela, as lembranças funcionam como cicatrizes que não devem ser esquecidas, “para que nunca mais se repita”. Responsável pela mediação da corpografia, Tayara teve papel fundamental no apoio às mulheres diante dos gatilhos emocionais despertados pela experiência das enchentes.

“Acompanhamos de perto, as mulheres numa situação muito vulnerável, muitas vezes sem absorvente, sem uma calcinha, sem o mínimo de dignidade menstrual. Mas ainda assim, sofrendo violência, sendo abusadas e com dificuldades de acesso aos serviços. E o pior, isso não acontece só durante a calamidade”, recorda Fabiane Dutra, presidenta do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher.

Entrega da carta: ‘não esquecemos para que não se repita’

A carta elaborada apresenta um conjunto de perguntas estratégicas que buscam respostas formais, públicas e imediatas sobre políticas, orçamentos, ações de prevenção, reconstrução e participação social. Essas questões estão diretamente relacionadas à perspectiva de gênero, à justiça reprodutiva e climática e à reparação das perdas sofridas, abrangendo temas como saúde, moradia, combate à violência, geração de renda e saúde mental.

“Após um ano e três meses, não aceitamos silêncio, descontinuidade ou promessas vazias. Queremos compromisso formal, resposta oficial por escrito e cronograma de implementação com prazos e canais de participação efetiva da sociedade civil. Nossa memória segue viva, e é ela que nos move: não esquecemos para que não se repita”, destaca trecho do documento.

A carta foi entregue pessoalmente por Paula Guimarães ao deputado Pepe Vargas (PT), presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS), e à deputada Bruna Rodrigues (PCdoB), procuradora da mulher na ALRS, em encontro realizado em 5 de agosto. Também participaram Fabiane Dutra e Manuela D’Ávila, presidenta do Instituto E Se Fosse Você?, Tayara Maronesis e Franciele Rodrigues, coordenadora do Plantão de Apoio Colmeia, projeto do Instituto.

Além da entrega presencial, a carta também foi enviada por e-mail a órgãos do governo estadual, deputadas e deputados estaduais, e aos Ministérios da Saúde, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, dos Direitos Humanos e da Cidadania, do Desenvolvimento Social, e das Mulheres.

Como continuidade do processo, está prevista a divulgação de um relatório sobre a ação e, posteriormente, a reformulação do Guia da Esperança a partir das contribuições e melhorias propostas durante as oficinas.


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MARCIA DANIELA PIANARO VALENGA
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FONTE: Portal Catarinas
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