A liberdade de expressão representa um dos pilares fundamentais da democracia contemporânea, sendo assegurada pelo artigo 5º, incisos IV e IX, da Constituição Federal brasileira e protegida por instrumentos internacionais como o Pacto de San José da Costa Rica. Este direito garante não apenas a manifestação livre de ideias, mas também o acesso democratizado à informação e a participação ativa no debate público. Contudo, o avanço das tecnologias digitais e a consolidação das redes sociais como principais espaços de comunicação criaram um desafio sem precedentes: equilibrar a liberdade de expressão com a arquitetura algorítmica das plataformas e a urgente proteção de crianças e adolescentes.
Os algoritmos de recomendação movem-se por métricas como engajamento e retenção de atenção, explorando vulnerabilidades cognitivas infantis e emocionais. Funcionando de modo opaco e sem transparência, eles amplificam conteúdo inadequado e conduzem menores a um consumo progressivamente nocivo, com base na coleta intensiva de dados comportamentais — muitas vezes sem consentimento informado ou compreensão adequada.
O artigo 227 da Constituição Federal estabelece: cabe à família, à sociedade e ao Estado assegurar, com prioridade absoluta, a dignidade e a proteção de crianças e adolescentes contra negligência, exploração e violência. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) prevê sanções civis, administrativas e penais quando há violação da intimidade, vida privada, honra, imagem ou integridade de menores.
Plataformas que alegam ser neutras, na prática, exercem curadoria ativa com base em design algorítmico. Quando essa curadoria expõe menores a conteúdos sexualizados, violentos, autodestrutivos ou incompatíveis com um desenvolvimento saudável — de forma previsível ou sistemática —, ultrapassa-se o âmbito da liberdade de expressão, entrando na esfera da responsabilidade civil e da necessidade de regulação.
Como ressaltou o filósofo do direito Ronald Dworkin, a interpretação dos direitos fundamentais exige coerência e integridade. Proteger grupos vulneráveis não é limitar a liberdade; é parte essencial da sua concretização.
Legislação que exige ‘privacidade por design’ para crianças em ambientes digitais, de modo que recursos e funcionalidades sejam configurados com seu melhor interesse em mente.
Regulação que impõe obrigações para mitigar riscos sistêmicos, incluindo a exposição de menores a conteúdo prejudicial, com foco em transparência algorítmica e ferramentas mais seguras.
Há propostas para atualização do Marco Civil da Internet, incluindo transparência algorítmica e obrigações às plataformas. No entanto, sem fiscalização efetiva e sanções proporcionais, a eficácia continuará limitada.
A discussão atual não é sobre censura, mas sim sobre responsabilidade e arquitetura da informação com base ética. Garantir que crianças e adolescentes possam exercer a liberdade de expressão com segurança requer uma ação coordenada do Legislativo, Judiciário, reguladores e da sociedade civil.
Para que a liberdade de expressão seja genuinamente plena, é necessário construir um ecossistema digital que respeite a dignidade humana desde os primeiros anos de vida. Algoritmos não podem ser zonas de sombra onde a exploração comercial se sobrepõe ao interesse maior da criança. A regulação adequada não é inimiga da liberdade — é sua guardiã. Somente com marcos modernos e eficazes garantiremos um ambiente digital seguro e propício ao desenvolvimento integral das futuras gerações.
Sobre o autor:
Leandro Velloso — Docente de Direito (UNESA) | Pesquisador em Direitos e Garantias Fundamentais (FDV/ES) | Pós-Graduado (PUC-SP) | Professor de Direito Administrativo | Autor de 16 livros | Advogado com mais de 25 anos de atuação pública e privada.
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PRISCILA GONZALEZ NAVIA PIRES DA SILVA
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