Você já parou para pensar que cada imagem gerada por inteligência artificial, aquelas que viralizavam nas redes com filtros de Studio Ghibli ou retratos hiper-realistas, pode estar sugando recursos naturais preciosos do planeta? Enquanto a indústria de tecnologia celebra a revolução da IA generativa, um custo ambiental invisível — e muitas vezes ignorado — está se acumulado nos bastidores: o consumo estratosférico de água necessário para manter os servidores que alimentam essas ferramentas funcionando. E o pior? Ninguém está falando sobre isso com a urgência que o tema exige.
A conexão entre IA e água não é óbvia, mas é direta. Tudo começa nos data centers, verdadeiros "cérebros" digitais onde milhões de processadores trabalham 24 horas por dia para responder às nossas perguntas ao ChatGPT ou criar imagens e vídeos surrealistas. Essas máquinas geram calor intenso — tanto que, sem sistemas de resfriamento, derreteriam em minutos. É aí que entra a água: gigantescos sistemas de refrigeração usam o líquido para absorver esse calor, em um processo contínuo que consome o equivalente a piscinas olímpicas diárias. Um estudo da Universidade da Califórnia revelou que uma única conversa de 100 palavras com o ChatGPT bebe até 500 ml de água limpa. Agora multiplique isso pelos 100 milhões de usuários semanais que a OpenAI afirma ter – e imagine o volume.
Imagens tem ainda mais sede
E as imagens? São ainda mais sedentas. Gerar uma ilustração detalhada em IA exige até 10 vezes mais poder de processamento que um texto simples, segundo pesquisadores da Universidade de Carnegie Mellon. Cada prompt artístico — seja um dragão alado em 4K ou uma selfie estilo anime — pode demandar energia suficiente para manter uma lâmpada LED acesa por horas e litros de água evaporando em torres de resfriamento. Enquanto isso, empresas como Microsoft e Google, que dominam o mercado de nuvem onde essas IAs rodam, admitem em relatórios de sustentabilidade consumir bilhões de litros de água anualmente, mas não detalham quanto disso vai especificamente para a febre das imagens generativas.
A ironia é cruel: em um planeta onde 2,2 bilhões de pessoas não têm acesso à água potável, segundo a ONU, data centers na região do Arizona (EUA) — um estado em crise hídrica crônica — usam água potável para resfriar servidores que produzem memes de gatos em IA. Na Holanda, protestos recentes contra a expansão de data centers da Microsoft destacaram o risco de essas instalações consumirem até 84% da água disponível em algumas localidades até 2030. E não é só no primeiro mundo: no Chile, onde uma mega seca dura 14 anos e afeta diversas regiões do país, projetos de data centers já enfrentam resistência popular.
A falta de transparência é alarmante. Enquanto uma empresa de agronegócio precisa declarar cada litro usado na irrigação, as Big Techs escondem seus números reais atrás de jargões como "eficiência hídrica" e "reabastecimento sustentável". Um relatório do Instituto de Pesquisa em Inteligência Artificial do Canadá expôs que 65% da água usada em data centers vem de fontes municipais — a mesma que abastece residências —, mas menos de 20% das empresas divulgam como compensam esse impacto. A Microsoft, que promete ser "positiva em água" até 2030, vazou internamente em 2023 que seu consumo global de água subiu 34% no ano anterior, impulsionado justamente pela demanda por IA.
O que está em jogo vai além de estatísticas. Na Índia, onde 21 cidades devem esgotar suas reservas subterrâneas até 2025 segundo o governo, data centers já consomem água equivalente ao uso doméstico de 2 milhões de pessoas. No Texas, o coração da IA americana, poços artesianos secaram em comunidades rurais próximas a complexos de servidores. São conflitos que revelam uma verdade inconveniente: a nuvem digital não flutua no vácuo — ela está fincada em solo real, disputando cada gota com populações vulneráveis.
Uma saída para a computação não acabar com a água
Mas há saídas. Algumas empresas, como a chinesa DeepSeek, mostram que é possível reduzir em 70% o consumo de recursos com arquiteturas de IA mais eficientes. Na Islândia, data centers usam energia geotérmica e ar frio natural para minimizar a necessidade de resfriamento hídrico. Para especialistas, porém, soluções isoladas não bastam. É preciso regulação dura: desde impostos sobre o "hidro-lixo" digital até leis que obriguem empresas a revelarem em tempo real o custo hídrico de cada imagem gerada — assim como já fazem com pegada de carbono em alguns países.
Usuários também têm poder. Que tal um "selo de sede" em ferramentas de IA mostrando quantos litros de água sua selfie futurista consumiu? Ou browsers que bloqueiam modelos não sustentáveis, como já ocorre com sites não HTTPS? Enquanto isso, artistas digitais começam a adotar o "low-tech AI", usando algoritmos simplificados que priorizam economia de recursos sobre hiper-realismo.
A verdade é que não há filtro de IA capaz de retocar esta realidade: cada imagem generativa é, também, um espelho distorcido de nossa hybris tecnológica. Enquanto compartilhamos memes gerados por algoritmos, comunidades carentes ao redor do planeta continuam pagando um preço por décadas, com sede concreta. A menos que exijamos transparência e inovação responsável, a conta da revolução da IA poderá em breve vir não em terabytes, mas em um número ainda maior de rios secos e reservatórios vazios. O futuro não precisa ser escolher entre criar arte digital ou ter água para viver — mas para evitar esse falso dilema, é preciso começar a discutir o que realmente está por trás da "mágica" da IA – e usar toda a beleza dessa capacidade incrível de processamento em prol de um mundo mais sustentável e justo.
*Fernando Moulin é partner da Sponsorb, empresa boutique de business performance, professor e especialista em negócios, transformação digital e experiência do cliente e coautor dos best-sellers "Inquietos por Natureza", "Você Brilha Quando Vive sua Verdade" e “Foras da curva” (todos da Editora Gente, 2024) E-mail: [email protected].
Sobre Fernando Moulin
Nascido em 1976, na cidade de Volta Redonda (RJ), Fernando Moulin é um dos principais especialistas brasileiros em transformação digital, inovação e gestão da experiência do cliente, além de ser um dos pioneiros do Marketing Digital/CRM no país. Graduado em Engenharia Química pela Unicamp, possui MBA Executivo Internacional pela FIA-USP e realizou cursos de marketing e negócios em diversas instituições internacionais, como Kellogg/NorthWestern (Estados Unidos), INSEAD (França), Cambridge (Reino Unido) e Lingnan University (China). Eleito em 2022 para o Hall of Fame da Associação Brasileira de Dados (ABEMD), tem mais de 25 anos de experiência e passagens executivas em funções de liderança em grandes organizações, como Telefônica/Vivo, Cyrela, Nokia, Pão de Açúcar, Claro, Citibank, entre outras. Cofundador da Malbec Angels, mentor de startups e advisor estratégico, também é palestrante profissional e professor de disciplinas ligadas a suas áreas de expertise em instituições como ESPM, INSPER e Live University, além de ser colunista de diversos veículos importantes de mídia e jurado de premiações de mercado. Também é coautor das obras coletivas best-sellers "Inquietos por natureza", organizada por João Kepler, "Você brilha quando vive sua verdade: transformando fragilidades em fortalezas", organizada por Eduardo Shinyashiki e Kareemi e “Foras da curva: construa resultados que falam por si próprios”, organizada por Luiz Fernando Garcia, todas publicadas pela Editora Gente. Atualmente, é partner da Sponsorb, empresa boutique de business performance. Para mais informações, acesse: www.fernandomoulin.com.br, www.linkedin.com/in/fernandomoulin/ ou veja a palestra no TEDxSP: https://www.youtube.com/watch?v=6tUJuZopcsA
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