A discussão sobre se coleções de arte particulares devem ou não ter algum tipo de benefício fiscal voltou à pauta, especialmente em um cenário em que o debate sobre tributação de grandes fortunas e patrimônio cultural ganha força no Congresso Nacional. Em países como França, Itália e Alemanha, legislações específicas incentivam colecionadores privados a manterem seus acervos no país com isenções parciais, desde que as obras estejam registradas e eventualmente acessíveis ao público. No Brasil, no entanto, esse modelo ainda é raro — e enfrenta resistência tanto por parte de setores da Receita Federal quanto de alguns agentes culturais. O tema ganhou novo fôlego após o relatório da UNESCO sobre economia da cultura (2023) apontar que a arte e os bens culturais respondem por mais de 3,1% do PIB global e têm potencial estratégico em políticas fiscais e de incentivo.
Para a advogada Dra. Marta Sahione Fadel, especialista em direito empresarial e tributário e também colecionadora de arte, a discussão no Brasil ainda é muito limitada e carente de sofisticação. “Temos uma visão atrasada sobre o colecionismo, como se toda coleção privada fosse apenas ostentação. Em muitos casos, essas coleções preservam a memória artística do país, sustentam a carreira de artistas vivos e mantêm em circulação obras que de outra forma estariam inacessíveis”, afirma. Segundo ela, o estímulo fiscal pode ser uma ferramenta de política pública, e não um privilégio, desde que atrelado a critérios de transparência e interesse coletivo.
Na Europa, por exemplo, colecionadores que registram seus acervos e os disponibilizam para exposições públicas, mesmo que temporárias, podem receber isenções parciais de impostos sobre herança ou propriedade. A legislação francesa (Code général des impôts) permite, inclusive, que obras de arte sejam oferecidas ao Estado como forma de pagamento de impostos devidos, prática conhecida como “dation en paiement”, que tem sido usada por herdeiros de grandes acervos culturais.
No Brasil, embora a Lei Rouanet permita incentivos fiscais para quem doa obras a instituições culturais, ainda não há um regime jurídico específico para a manutenção de acervos privados que não sejam formalmente museus. Isso acaba por afastar colecionadores de políticas de incentivo e, ao mesmo tempo, expô-los a riscos fiscais em caso de partilha, sucessão ou venda das obras. “Muitos colecionadores, especialmente empresários, desconhecem que suas obras podem se tornar objeto de litígio em processos familiares ou fiscais. A ausência de legislação específica sobre tributação e proteção de acervos dificulta tanto a regularização quanto a profissionalização desse setor”, aponta a Dra. Marta Fadel.
Além da questão patrimonial, há um viés de fomento cultural que precisa ser considerado. A manutenção de coleções privadas no Brasil pode impedir a dispersão de obras nacionais no mercado internacional, ao mesmo tempo em que fortalece o mercado interno. De acordo com dados da Federação Brasileira de Associações de Amigos de Museus (FEBRAM), cerca de 40% das exposições temporárias realizadas em instituições públicas nos últimos três anos contaram com empréstimos de coleções particulares, o que demonstra o impacto direto dessas parcerias para a difusão cultural.
A Dra. Marta Sahione Fadel defende que o caminho não está em isentar indiscriminadamente, mas em criar uma regulamentação técnica e equilibrada. “É possível criar critérios: exigir registro, avaliação por especialistas, periodicidade mínima de exibição ao público ou contribuição para programas educativos. Dessa forma, o benefício fiscal se justifica pelo retorno cultural à sociedade”, propõe.
A proposta de incluir obras de arte no Imposto sobre Grandes Fortunas, que volta a ser discutida no Congresso, deve reacender esse debate nos próximos meses. Especialistas temem que, sem uma diferenciação clara entre ativos financeiros e bens culturais, colecionadores optem por transferir seus acervos para o exterior, prática que já ocorre com frequência e que representa uma perda simbólica e econômica para o país.
“É preciso entender que colecionar arte no Brasil, muitas vezes, é um ato de resistência cultural. Quem mantém acervos aqui arca com custos elevados, sem garantias legais claras e sob o risco constante de mudanças normativas. Reconhecer esse papel com inteligência tributária é proteger a cultura nacional e, ao mesmo tempo, estimular um mercado que pode ser altamente estratégico”, conclui a advogada e colecionadora de arte.
Leia mais em: https://martasahionefadel.com.br/
Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
Andreia Souza Pereira
[email protected]