Nos cursos superiores de engenharia, administração e logística, é comum o estudo do tema cadeia de suprimentos, também conhecida como supply chain. Nesse contexto, costuma-se afirmar que a forma de manufatura e distribuição de produtos, iniciada por volta da década de 1980, representa um caminho sem volta. Esse sistema, bastante complexo, abrange todas as etapas de produção, armazenamento e transporte de produtos. Ele tem se mostrado robusto, permitindo a produção em larga escala de itens altamente complexos.
Um exemplo claro é o smartphone. As fábricas responsáveis por seus componentes e matérias-primas estão espalhadas por diferentes partes do mundo. Cada fornecedor, com sua especialização, busca oferecer o melhor em tecnologia e qualidade para atender ao líder da cadeia. Esse líder costuma ser representado pelas grandes marcas, que reúnem todos esses componentes e finalizam o produto. O resultado é a massificação de um dos itens mais vendidos no planeta.
Pois bem, será que teremos uma reviravolta nesse processo a ponto de voltar a uma condição em que as cadeias de produção globais passem a ser cadeias de produção locais?
É fato que, passados alguns meses da tarifação no comércio exterior proposta pelo governo dos Estados Unidos, ainda temos mais dúvidas do que respostas. Para docentes da área de logística e áreas correlatas, surgem algumas dúvidas sobre o que virá pela frente. Nesse sentido, prever o futuro é algo complexo que exige, além de muito estudo, uma visão holística aprimorada, que é para poucos.
Em março de 2012, a empresa de logística alemã Deutsche Post DHL consultou a opinião técnica de 42 especialistas — entre eles representantes do Fórum Econômico Mundial, do grupo GFK e do Greenpeace — com o objetivo de antecipar possíveis cenários futuros. O resultado desse trabalho foi a formulação de cinco cenários para o mundo em 2050.
Esses cenários são citados no livro Logística dos Canais de Distribuição (2018), em que eu sou co-autor, e um deles se destoa dos demais. O cenário 4, tem o título “Protecionismo Paralisante”, o qual previa a deterioração da economia mundial, com nacionalismo exacerbado e barreiras protecionistas que fazem a globalização andar para trás, em um cenário nada animador.
Neste mesmo cenário, há a previsão de regionalização das cadeias de suprimento, que se tornam instrumentos estratégicos para os governos. Em algumas aulas em que ministrei a reflexão sobre esse cenário, era ponto pacífico entre os alunos de que a materialização dessa previsão era algo remotíssimo. A pergunta que não quer calar: será que estamos vivendo esse cenário 4?
Ainda é cedo para afirmar com precisão qual será o panorama nos próximos anos. No entanto, não cabe adotar uma visão catastrófica. No caso do Brasil, o mais produtivo é buscar alternativas e identificar oportunidades.
Em uma entrevista recente, a economista francesa Esther Duflo, Prêmio Nobel de Economia em 2019, afirmou que a economia brasileira não se encontra em situação mais delicada do que a de outros países. Segundo ela, o Brasil está bem-posicionado para enfrentar os impactos da guerra comercial entre Estados Unidos e China.
Apesar do momento desafiador no comércio global, Duflo destacou que o país pode se beneficiar desse cenário. Em suas palavras, uma guerra econômica entre essas duas potências pode acabar criando oportunidades comerciais para o Brasil.
Fazendo um contra-ponto, o Council of Supply Chain Management Professionals (CSCMP), uma das principais organizações globais focadas na promoção da excelência e no desenvolvimento de profissionais na área de gestão da cadeia de suprimentos (supply chain management), traz o artigo US tariffs threaten to disrupt global supply chains (Tarifas dos EUA ameaçam interromper as cadeias de suprimentos globais), em abril de 2025, em que analistas norte-americanos traçam um cenário confuso para os próximos anos.
Um deles, Scot Lincicome, menciona a cadeia produtiva do setor automotivo, em que as peças que compõem um automóvel típico podem cruzar a fronteira EUA-Canadá diversas vezes à medida que o veículo toma forma, antes da montagem final, e que as tarifas propostas não levam em consideração essas complexidades típicas de uma cadeia de suprimentos.
É claro que toda essa movimentação iniciada pelo governo Trump irá, inicialmente, desacelerar o comércio mundial, fragmentar as cadeias de suprimento, aumentar custos para empresas e consumidores, impactar setores estratégicos e causar tensões geopolíticas em todo o mundo. O Brasil deve, tal qual fez a empresa DHL em 2012, reunir os melhores cérebros do nosso país que tenham aderência com esse tema e propor uma previsão de cenários para os próximos anos, em que podemos encontrar as oportunidades de crescimento econômico e social, sem nunca descartar cenários que possam direcionar para algo que não seja o senso comum.
* Roberto Pansonato é Mestre em Educação e Novas Tecnologias, com atuação em Gestão de Engenharia de Processos e Produção. É professor do Centro Universitário Internacional Uninter, onde atua na tutoria dos cursos de Logística e Gestão do E-Commerce e Sistemas Logísticos.
Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
JULIA CRISTINA ALVES ESTEVAM
[email protected]