27/11/2024 às 17h36min - Atualizada em 28/11/2024 às 08h02min

Como ficam as fundações e associações sem fins lucrativos quando precisam se recuperar de uma crise financeira?

Elaine Alves
Pixabay
Por Filipe Luis de Paula e Souza e Guilherme Tropia Padilla*

Quando a economia entra em crise, o impacto é sentido em todos os níveis e setores da sociedade, afetando empresas, indivíduos e entidades sem fins lucrativos, que enfrentam também um cenário de dificuldades financeiras.

A queda no consumo, o aumento das taxas de juros e a restrição ao crédito criam um ciclo vicioso que compromete a capacidade de geração de receita e o pagamento de dívidas em todos os setores. Essa reação em cadeia desafia a sustentabilidade financeira não apenas de empresas e empresários, mas também de gestores de entidades sem fins lucrativos.

A legislação de recuperação judicial e falências, no entanto, não estende seu alcance a entidades sem fins lucrativos como associações e fundações, nem proíbe expressamente o uso dessas modalidades de reestruturação por tais entidades.

As associações e fundações sem fins lucrativos, apesar de enfrentarem os mesmos desafios em tempos de crise, devem buscar alternativas como a renegociação extrajudicial de dívidas com credores, planos de reestruturação administrativa e financeira e, em casos mais extremos, processos de insolvência civil, previstos no Código Civil.

Contudo, em casos de endividamento elevado, essas medidas costumam ser insuficientes, tornando desejável o acesso a instrumentos jurídicos mais abrangentes, como a recuperação judicial.

Nos últimos anos, diversos Tribunais de Justiça flexibilizaram a interpretação da norma, que é omissa sobre o uso da recuperação judicial por essas entidades não empresárias. Entretanto, em outubro deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio da 3ª Turma, proferiu seu primeiro acórdão sobre o tema. Por maioria de votos, o tribunal decidiu que a lei se aplica exclusivamente a empresários e sociedades empresárias, excluindo a possibilidade de fundações e outras entidades sem fins lucrativos solicitarem recuperação judicial.

O relator do caso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, destacou que fundações e associações já usufruem de imunidade tributária e que conceder-lhes o benefício da recuperação judicial criaria um desequilíbrio concorrencial no mercado. Além disso, o acórdão observou que permitir o uso da recuperação judicial para essas entidades com base apenas em uma interpretação sobre a omissão legal geraria grande insegurança jurídica, uma vez que muitos dos créditos concedidos a essas instituições foram feitos sob a suposição de que elas não teriam acesso a esse recurso jurídico.

Apesar de o julgamento ter grande peso, a 4ª Turma do STJ já proferiu várias decisões monocráticas em sentido contrário, permitindo e flexibilizando a recuperação judicial para algumas entidades sem fins lucrativos. É provável que a questão seja discutida novamente, por meio dos recursos cabíveis, para que o STJ uniformize sua jurisprudência sobre o tema.

Esse cenário de crise e endividamento, que afeta milhares de credores aguardando o recebimento de créditos, exige uma solução. Em resumo, os argumentos que impedem o acesso das associações e fundações à recuperação judicial visam proteger o mercado e a livre concorrência. Por outro lado, esses instrumentos de reestruturação de dívidas favorecem os próprios credores, permitindo que acompanhem, renegociem e recebam valores que, de outro modo, não seriam pagos em casos de insolvência civil.

Paralelamente à tendência de restrição ao uso da recuperação judicial, uma mudança recente, trazida pelo Provimento nº 26/2024 da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), abre caminho para que associações civis e fundações se convertam em sociedades empresariais. Essa possibilidade, sustentada pelas novas instruções normativas do Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI), permite que, uma vez transformadas em sociedades empresariais, tais entidades tenham acesso à recuperação judicial.

Em outras palavras, estamos diante de uma porta que se fecha, mas de uma janela que se abre. Essa transformação jurídica pode permitir que entidades sem fins lucrativos se beneficiem de instrumentos típicos das empresas, como o acesso facilitado ao crédito e a reestruturação de dívidas.

Ainda há muito a refletir e ponderar sobre o tema, especialmente considerando os benefícios tributários garantidos a essas associações e os níveis de endividamento enfrentados por essas entidades.

Em conclusão, embora o STJ tenha adotado uma interpretação restritiva, impedindo o uso direto da recuperação judicial para fundações e associações sem fins lucrativos, a transformação jurídica é uma alternativa promissora. No entanto, essa mudança exige cautela, pois a alteração de natureza jurídica implica novos compromissos tributários e regulatórios. Esse contexto exige uma análise cuidadosa das vantagens e desvantagens para cada entidade, ponderando a proteção ao patrimônio social, a sustentabilidade operacional e o cumprimento das finalidades estatutárias.

Uma decisão uniforme do STJ ou uma eventual reforma legislativa sobre o tema pode, em última instância, determinar o futuro dessas organizações em períodos de crise.

*Filipe Luis de Paula e Souza e Guilherme Tropia Padilla são, respectivamente, sócio da LBZ Advocacia, e advogado do mesmo escritório.

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ELAINE CRISTINA ALVES DE OLIVEIRA
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