26/11/2024 às 15h28min - Atualizada em 28/11/2024 às 08h02min

As estátuas e seus algozes 

Renan da Cruz Padilha Soares* 

VALQUIRIA MARCHIORI
Rodrigo Leal

Na noite do dia 13 de novembro de 2024, um ex-candidato à vereador, de um município do interior de Santa Catarina, se aproxima de uma estátua e atira sobre ela alguns explosivos. O ataque acaba com seu protagonista morto e o monumento da mulher vendada e sentada, segurando uma espada, erguido em frente ao Supremo Tribunal Federal para simbolizar a justiça, seguiu inabalado.  

Não é a primeira, nem será a última estátua atacada ao longo da História. O erguimento destes monumentos, tanto quanto a sua derruba ou tentativa, revelam as disputas pela memória em todas as sociedades. A tentativa de pessoas e grupos de eternizarem o seu ponto de vista sobre determinados acontecimentos ganha nas estátuas a sua característica mais visível. Desde as primeiras civilizações até os dias de hoje, a construção de estátuas tem por objetivo a fixação de um lugar de memória físico, visível e resistente ao tempo.  

A construção de uma estátua, para ser exibida em praça pública, não é algo acessível para qualquer um, por isso, normalmente, estes monumentos são associados aos grupos que estão no poder. Seja o poder político ou econômico. Quando o personagem da animação brasileira “Uma História de Amor e Fúria” diz “Meus heróis não viraram estátua, morreram lutando contra quem virou”, a frase simboliza as disputas pela memória que ocorrem ao redor da construção de uma estátua e a resistência dos grupos marginalizados pela sociedade e silenciados pela história oficial.  

Porém, por mais resistente à passagem do tempo que possa ser o material de um monumento, a história que ele pretende contar não é tanto. Quando falamos de memória coletiva, precisamos entender que esta se constrói no presente. Por isso, ainda que ataques às estátuas sejam comuns, essas ações podem ser muito distintas uma das outras. O que a estátua de um bandeirante escravista nos fala sobre nossa cidade e sociedade hoje? O que atear fogo nesta estátua nos diz? O que a estátua da justiça, nos fala sobre a política e o poder hoje? O que um ataque como o de Santa Catarina conta sobre a contestação desta justiça?  

Não é de hoje que grupos constroem narrativas para favorecerem seus pontos de vista. As estátuas são parte disso, assim como os ataques a elas. A lógica das redes sociais e o discurso de ódio propagado impunimente por líderes políticos potencializaram construções de narrativas cada vez mais sectárias e extremistas, o que nos ajuda a compreender aquilo que parece incompreensível. Na disputa pela narrativa nacional contemporânea, para uma parcela significativa do país, o Supremo Tribunal, simbolizado por sua estátua, representa o mal em um dualismo maniqueísta.  

A estátua atacada foi criada pelo artista plástico Alfredo Ceschiatti em 1961, três anos antes da justiça e das instituições serem violentadas pelo golpe civil-militar. Este patrimônio segue intacto, apesar dos mais variados ataques físicos e simbólicos. Mas se a estátua está vendada, a defesa do patrimônio não deve ser cega. Um monumento é um símbolo em disputa. A estátua de um traficante de escravos, ou de um ditador fascista, não é igual ao monumento à justiça. O que devemos fazer com cada um destes patrimônios é passível de debate, mas este debate se passa, necessariamente, pela defesa da justiça (política, econômica e social) e não somente pelo bem-estar físico da obra.  

*Renan da Cruz Padilha Soares é doutorando em Educação e professor dos cursos de História, da Área de Língua e Sociedade, do Centro Universitário Internacional Uninter. 


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VALQUIRIA CRISTINA DA SILVA
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