Foto: Divulgação Por Silvia Pilz Depois de uma crise de pânico, em Los Angeles, ainda em estado quase vegetativo, eu e Vanessa, minha amiga de infância, hoje cidadã da classe média americana e orgulhosa de seu
green card, decidimos passar um final de semana em um hotel de luxo, em Palm Springs.
Naquele momento, estávamos, as duas, acreditando que todo o nosso descontrole era fruto do fato de estarmos vivendo sem glamour. Eu por ter me submetido a um treinamento de ioga vergonhoso, cercada de felizes e adoradores de uma seita. Ela, por estar descobrindo que viver naquele país, sem luxo, é um lixo.
Chegamos ao hotel como duas adolescentes deslumbradas, querendo aproveitar tudo que aquela ‘Disney’ nos oferecia. Vanessa, casada e mãe de dois filhos, estava satisfeita em poder vestir um roupão com as siglas do hotel e dormir numa cama de casal, sozinha. E, até passear de gôndola, naquele cenário montado, ela queria. Eu, solteira e derrotada, estava disposta a fazer qualquer coisa para me divertir por 48 horas e esquecer as nove semanas de clausura no traumático treinamento de ioga.
Fomos para a piscina do hotel. As duas caminhando com uma postura impecável. Vanessa me olhava e dizia: ‘Desfile, e vamos conversando de nariz em pé, como se esse luxo todo fosse corriqueiro, afinal, fomos criadas pra isso’. _ Sim, fomos criadas para fazer um monte de coisas que esquecemos de fazer. Vanessa vestida de Paris Hilton e eu, segundo ela, uma perfeita francesinha. Decadance avec elegance.
Escolhemos as espreguiçadeiras e nos deitamos. Do nosso lado, um americano inflável, do tipo sério, sozinho, lendo um livro [Good to Great, by Jim Collins]. Bonito e decente, segundo Vanessa. Era chamado pelo primeiro nome pelas garçonetes que nos rondavam.
— Ele não é pobre. Aliás, aqui não tem pobre, dizia Vanessa. E, ele não tira o olho de você.
A preocupação dela vinha do meu histórico. Sempre envolvida com músicos falidos. Com a autoestima dilacerada, achei que ela estava louca, delirando, que o cara estava concentrado no livro e não estava olhando para ninguém. Fora isso, nunca me senti atraída por americanos. Alguma coisa me impede de nadar no raso, coisa que eles fazem com maestria. O livro dispensa comentários.
Fora isso, tínhamos convidado a tia da Vanessa, que vive em Palm Springs, tem 65 anos e se esqueceu em Woodstock, para passar o dia na piscina e respirar luxo. Ela veio, e, por características próprias, figura impagável, começou a conversar com John. Continuei quieta. O cara puxou assunto. Eu disse que estava voltando para o Brasil na semana seguinte e que aquele era meu último final de semana com Vanessa. E, era mesmo. Depois da crise de pânico, não me encontrava em condições de permanecer nos Estados Unidos, sozinha. Não é por acaso que aquele país coleciona gente transtornada. A especialidade deles é meu ponto fraco. Cada vez que ouço um ‘Don’t give up’ ou um ‘You can do it’, desistir é a primeira coisa que faço.
Resolvi subir para o quarto e Vanessa me acompanhou, meio indignada por eu não ter dado papo para o bom partido. Poucos minutos depois, chega a tia, com um sorriso no rosto e um bilhete na mão. No bilhete, o número do quarto dele, o número do celular e um convite para nos encontrarmos em um dos bares do hotel, depois de um jantar de negócios que ele já tinha marcado. Pronto. Era tudo que a dupla de adolescentes de meia-idade precisava para se divertir. —Viu? Não disse que el e estava de olho em você?, exclamava Vanessa animadíssima. — Agora, escolha a roupa, tome o banho, ensaie o comportamento, tome uma cerveja e um ansiolítico e vá, sem pensar!
Como se eu conseguisse, mesmo em estado quase vegetativo, não pensar. E lá fui eu, bonitinha, vestida de mulher segura, que aceita o convite sem hesitar. Quando cheguei no bar, a primeira coisa que ele me disse foi que achou que eu não fosse aceitar o convite.
— Oh, really? [ esse cara é republicano, pensei ]
Tomamos uma cerveja e eu disse que queria sair dali para fumar um cigarro. Fumar, nos Estados Unidos, é um deal breaker. Para a minha surpresa, ele pegou na minha mão e disse: —Vamos fumar na varando do meu quarto? Aceitei. Depois de me dizer que era separado, pai de dois filhos e vasectomizado, me deu um beijo e veio com tudo. Parecia meio desesperado. Elogiou meu corpo, meu cheiro e me fez acreditar – por instantes – que eu era a mais gostosa das mulheres. Depois de um sexo de de curta duração, em busca de aprovação do parceiro, com aquela necessidade inútil de me tornar inesquecível, parti para cima dele. Sexo afoito pode ser bom, mas sexo com sabor e muita saliva é indispensável. Ele rapidamente entrou no ‘oh-god-oh-god-mode’ e eu fiquei satisfeita por levar aquele cidadão de Washignton, D.C. até a lua.
Aliás, vou partir desta para melhor sem entender porque as pessoas evocam o nome de Deus quando sentem prazer. Não sei se é gratidão ou culpa. De qualquer forma, divertido é.
Satisfeito, me agradeceu, como se sexo oral fosse um favor e não estivesse no pacote.
Terminado o ato, o John olhou pra mim e disse que tinha que dormir cedo, pois precisava trabalhar no dia seguinte. Se ofereceu para me levar até o meu quarto. Andamos pelos corredores do hotel, de mãos dadas. Quando chegamos na porta, onde Vanessa me esperava ansiosa por notícias, ele me deu um abraço, com direito a tapinha nas costas, e disse:
_ I hope you find a nice dude in Brazil. [ traduzindo: Espero que você encontre um cara legal no Brasil ]
_ Thank you!
Vanessa ficou arrasada.
Desci para boate do hotel, repleta de gente jovem, e decidi entrar na área vip. Paguei, entrei, e, me sentindo quase tão feliz quanto Susana Vieira, chamei o garçom e disse: ‘Champagne for all, please!’. Da varanda do nosso quarto, Vanessa conseguia ver parte da boate. Eu aparecia e acenava, como quem diz: está tudo bem!
Terminei a noite atrás de uma moita, com um francês, rolando na grama, rindo, conversando e bebendo champanhe no gargalo.
Jamais vou me lembrar o nome dele.
No dia seguinte, conforme previsto, voltamos para Los Angeles, onde nos esperavam os filhos e o marido de Vanessa. Contei o acontecido para o marido dela, porque toda mulher adora ouvir o que um homem tem a dizer sobre o comportamento de um outro.
Tudo que eu consegui arrancar dele foi um ‘lucky bastard’ e um ‘você usou camisinha?’.
Silvia Pilz é carioca, jornalista e escritora. Entrevistas publicadas nas revistas Piauí e Marie Claire, crônicas e contos publicados em sua coluna na Playboy e no O Globo. É autora do livro Sem Vergonha na Cara. Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
SANDRO FRAGA LUIZ
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