Quando a infância vira conteúdo: Dia das Crianças reacende o debate sobre influenciadores mirins e os limites da exposição digital
Discussão levanta dilemas éticos sobre tecnologia, monetização e responsabilidade dos pais
SARAH ANDRADE DA COSTA
10/10/2025 12h08 - Atualizado há 17 horas
Augusto Arvelos, CTO da Influency.me
Em uma época em que adultos trocam suas fotos de perfil por versões infantis para celebrar o Dia das Crianças, o contraste é inevitável: enquanto uns revivem a infância com nostalgia, outros a transformam em negócio. Segundo a Kids Insights (2022), 86% das crianças brasileiras entre 6 e 12 anos acompanham influenciadores digitais, enquanto a pesquisa TIC Kids Online 2023 também revela que 24% das crianças começaram a usar a internet antes dos 6 anos. Já quando o assunto é Creator Economy, em 2025 o Brasil ultrapassou 2 milhões de influenciadores ativos, conforme levantamento da Influency.me, o que representa um aumento de 67% em relação ao ano anterior. É nesse cenário que os criadores mirins têm conquistado atenção de marcas e agências, o que reacende uma discussão que engloba tecnologia, marketing e ética. A pauta sobre os limites da exposição infantil nas redes sociais ganhou ainda mais destaque após a denúncia feita recentemente pelo criador de conteúdo Felca, que criticou a adultização de crianças em vídeos e campanhas. O caso provocou comoção pública e até propostas legislativas para regular a presença de menores na internet. Mas o problema é mais complexo que uma simples proibição. As redes sociais utilizam algoritmos de reconhecimento facial para entender se um perfil pertence a uma criança ou jovem. Como diferenciar esse reconhecimento de um adulto que mudou sua foto para sua versão mirim? Ou de um influenciador que utiliza a foto dos filhos como perfil? Entre o afeto e o algoritmo Os algoritmos das redes sociais não são neutros, mas premiam comportamentos. Quando conteúdos com crianças geram mais engajamento, passam a ser impulsionados, criando um ciclo em que a exposição é recompensada com visibilidade. E o que começou como um registro afetivo se transforma em um ativo de atenção. O debate sobre a presença infantil nas redes não pode ser reduzido a uma solução simplista, como “apagar perfis de crianças”. O problema é mais profundo: enquanto milhões de adultos compartilham memórias de infância, não há fronteira técnica, nem ética, clara que separe o afeto legítimo da exploração disfarçada de conteúdo. Um desafio para marcas, pais e plataformas Com a digitalização da infância, o marketing de influência também precisa se reinventar. Marcas que trabalham com criadores mirins são continuamente pressionadas a adotar políticas de proteção mais rígidas, de contratos específicos a consultorias especializadas em compliance digital. Não se trata de afastar as crianças do ambiente online, mas de repensar as regras. Publicidade responsável e curadoria de conteúdo devem evoluir junto com a tecnologia. Ignorar esse debate é comprometer não apenas a imagem da marca, mas também a credibilidade do próprio influenciador. A orientação parental precisa ser ativa e empática, ajudando a criança a compreender – e não somente obedecer – os limites da exposição. Mas o desafio mais complexo talvez recaia sobre as próprias plataformas. Instagram e TikTok, por exemplo, ainda operam sob lógicas de engajamento que favorecem a viralização, não a proteção. Mesmo quando existe boa vontade para mudar, a solução não é simples. Criar um algoritmo capaz de identificar e controlar a exposição infantil, sem invadir a privacidade das famílias ou gerar falsos positivos, é um desafio técnico e ético de alta complexidade. É difícil ensinar uma máquina a distinguir o que é um momento genuíno de convivência familiar e o que é exploração disfarçada de conteúdo. Como lembra o influenciador Felca, a questão não é apenas o tempo que as crianças passam nas redes, mas o papel que são levadas a desempenhar. A adultização – termo cunhado quando crianças reproduzem estéticas, linguagens e comportamentos de adultos – se tornou moeda de engajamento. E é justamente aí que o algoritmo, ao premiar esse tipo de performance, atravessa fronteiras que deveriam ser humanas, não matemáticas. Por isso, não basta aplicar filtros etários ou criar versões “kids” de aplicativos: é preciso rever o modelo de recomendação e a responsabilidade sobre o conteúdo que se beneficia da inocência infantil. No fim das contas, o problema não é a presença da criança nas redes, mas a ausência de adultos, e plataformas, conscientes do poder que têm. *Augusto Arvelos é CTO da Influency.me, empresa brasileira especializada em marketing de influência e inteligência de dados, com mais de 9 milhões de perfis de influenciadores cadastrados. Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
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