Literatura, poesia e filosofia deram o tom do último sábado na 24ª FIL

Verbo Nostro
24/08/2025 18h55 - Atualizado há 3 horas

Literatura, poesia e filosofia deram o tom do último sábado na 24ª FIL
Foto de Sté Frateschi
Ribeirão Preto (SP), 23 de agosto de 2025 - Entre clássicos da literatura e vozes emergentes da poesia, o sábado transformou a 24ª FIL (Feira Internacional do Livro de Ribeirão Preto) em um palco de encontros, com Ignácio de Loyola Brandão, André Brandão, Itamar Vieira Junior, Márcia Tiburi, Jean Wyllys, André Trigueiro, Adeilson S. Salles e Bráulio Bessa dividindo atenções com Carolina Rocha (Dandara Suburbana), Lews Barbosa, Emaye Natália, poetas convidados, autores da cidade e região e muitos outros nomes.

Além do encantamento poético e contato com a arte nos diversos espaços, intensificando debates e reflexões, o público também pôde participar de apresentações artísticas, oficinas, exposições, visitar o ônibus Livro Vivo, o Labirinto de Energia e exposições permanentes. Uma das atividades que chamou a atenção de quem passou pela Praça XV de Novembro foi a Oficina de Diários, no espaço Usina do Saber, conduzida por Dandara Garcês Martins, que reuniu jovens e adultos em torno da escrita íntima como ferramenta de autorreflexão.


Segundo a designer, o diário pode ser de escrita – de metas, de gratidão ou até de desenhos, no caso das crianças. “O mais importante é criar o hábito de se expressar, de colocar no papel emoções e memórias”, completou. Formada em Design de Interiores e atuando como educadora e artesã, Dandara destacou ainda a dimensão terapêutica da prática. “Quando escrevemos, conseguimos enxergar padrões, rever momentos difíceis e perceber nossa evolução. O diário nos ajuda a lembrar que superamos desafios e a reconhecer a força da nossa própria trajetória.”

A voz de Dandara Suburbana
No período da manhã, um dos destaques foi o Salão de Ideias com a escritora e educadora Carolina Rocha (Dandara Suburbana), militante antirracismo e pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER), que apresentou sua experiência à frente do projeto Ataré Palavra Terapia, que promove a literatura negra como ferramenta de memória e transformação. 

Autora de A Culpa é do Diabo e O Sabá do Sertão, Carolina trouxe reflexões profundas sobre oralidade, espiritualidade e identidade, destacando a impossibilidade de separar o que é positivo do que é desafiador na vida. “Exu nos ensina que não existe ninguém que seja só afeto ou só dor, só bom ou só ruim. A vida é mistura de abundância e desafios, e precisamos aprender a reconhecer e celebrar isso, mesmo em meio às dificuldades”, afirmou. Ela também recordou um ensinamento marcante de seu pai de santo: “Terreiro não tem muros. Terreiro existe onde existe fogo, terra, ar e água. É escola dentro e fora da roça. Foi assim que criamos uma escola no terreiro, para alfabetizar crianças e adolescentes. Religião também é comunidade, é política e é educação.”

Poesia em ato e resistência no slam
No início da tarde, o Encontrão Poético, realizado na Tenda Sesc Senac, levou o público a mergulhar na força da oralidade e da performance. Poetas de diferentes estilos dividiram o palco, com destaque para a participação de Lews Barbosa, que provocou emoção e reflexão ao transformar poesia em ato de resistência e afeto coletivo. Representante do Brasil no Campeonato Mundial de Slam, em Paris, ele lembrou da experiência que ampliou seu olhar sobre a diversidade da palavra falada. “Foi impactante sair do Brasil pela primeira vez e estar num campeonato com poetas do mundo inteiro — de Madagascar, Singapura, África do Sul... Perceber como cada cultura manifesta a oralidade foi uma coleção de fichas caindo. Mais do que competir, a vitória foi estar lá, levando nossa poesia e vendo a força do que criamos aqui”, contou.

Loyola Brandão: 60 anos de histórias
Às 14h30, o Auditório Meira Junior recebeu um dos momentos mais emocionantes da programação: o bate-papo “60 anos de Carreira”, que reuniu Ignácio de Loyola Brandão e seu filho, André Brandão. Conduzido em tom de conversa íntima, o encontro mesclou perguntas, lembranças e leituras de trechos das obras do escritor. Loyola relembrou a infância em Araraquara e como a imaginação foi se impondo como matéria essencial da sua escrita.

“A fantasia era maior do que a realidade. Eu sempre enxergava além do que estava acontecendo, e isso nunca me deixou”. O público se divertiu com episódios curiosos da trajetória do autor, como o dia em que quase não conseguiu fazer o discurso de posse na Academia Brasileira de Letras por ter esquecido os óculos no hotel - episódio que terminou em riso e alívio quando encontrou um par esquecido no bolso do paletó.

Ao falar de sua obra, o escritor imortal destacou como a literatura ultrapassa o fato. “A vida me dá o material, mas é a imaginação que transforma em literatura. Sem espanto, sem invenção, não há livro.” O escritor também lembrou o impacto de escrever Não Verás País Nenhum em plena Ditadura, um romance distópico que se tornou símbolo de resistência. “Era a forma de gritar, de resistir. O escritor precisa dizer o que muitos não podem ou não conseguem. 

Entre memórias e reflexões, houve um momento de grande emoção quando contou a pergunta feita pela neta: “Vovô, o que é viver?”. “Talvez seja isso, viver é buscar”, disse, arrancando aplausos calorosos da plateia. Aos 89 anos, com seis décadas de carreira, Ignácio reafirmou a persistência criativa como marca de sua trajetória: “Fracassos, entusiasmos, paixões, tudo isso me trouxe até aqui. O importante é nunca parar de ter projetos. Quero escrever novos livros e ver minha neta crescer. Escrever é resistir, mas também é sobreviver. É transformar a angústia em encanto.”

Nova obra para crianças 
O escritor Itamar Vieira Junior, autor de “Torto Arado”, reuniu um grande público no Theatro Pedro II. Mediado por Ueliton Santos, o encontro trouxe reflexões sobre sua trajetória, lembranças de infância e a recente incursão na literatura para crianças. Itamar destacou que a infância foi decisiva para sua formação como leitor e escritor. “A primeira vez que escrevi uma história foi depois de ler O Caso da Borboleta Atíria, da Coleção Vagalume, de Lúcia Machado de Almeida. Esse livro me deu vontade de criar uma história, porque mostrou que até uma narrativa simples pode ser genial”, contou. O autor lembrou como a leitura transformou sua percepção do mundo, pois vivia em uma casa com quintal. “Via insetos circulando por ali e não lhes dava importância. Depois de ler o livro, nunca mais olhei para aquele espaço da mesma forma. Passei a observar borboletas, grilos e louva-a-deus como personagens de uma história”, disse. 

Sua experiência como leitor influenciou o desejo de escrever para crianças. “Esse campo da literatura para a infância sempre esteve no meu horizonte. Fui provocado por leitores e editores a pensar essa história, que resultou no livro Chupim. Quando o vi pronto, com as ilustrações da artista Manuela Navas e a devolutiva dos leitores, senti vontade de escrever outras histórias”, afirmou.

O Grito da Terra ecoa na FIL
Às 17h, o Espaço Ambient de Leitura sediou o Salão de Ideias “O Grito da Terra”, com Adeilson S. Salles e André Trigueiro. Juntos, eles trouxeram para a FIL uma reflexão urgente sobre meio ambiente, educação e responsabilidade coletiva. Adeilson apresentou a obra homônima, inspirada em uma experiência vivida em 2019, em que um garoto e uma preguiça que foge de uma floresta em chamas constroem juntos uma narrativa de alerta. Para o escritor, a literatura infantil pode ser uma poderosa aliada na formação de consciência ambienta.  “Precisamos educar crianças e adolescentes para além da preservação da natureza, envolvendo valores como empatia, fraternidade e respeito humano. A literatura é uma forma de sensibilizar e abrir caminhos.” 

Já o jornalista e ambientalista André Trigueiro reforçou o papel da esperança ativa diante da crise climática. Defensor do que chama de postura do “realista esperançoso”, compartilhou exemplos concretos de soluções possíveis, como o trabalho da Escola Espírita Joanna de Ângelis, em Japeri (RJ), que transformou o esgoto da comunidade em energia limpa por meio de biodigestores.

“A ecoansiedade é legítima diante do que estamos vivendo. Ela não deve ser vista como fraqueza, mas como sinal de que estamos atentos e sensibilizados com a crise ambiental”, destacou. Para Trigueiro, discutir o futuro do planeta não é apenas falar de florestas ou animais, mas da própria vida em comunidade e da forma como nos relacionamos com os recursos naturais e humanos. O debate despertou reflexões em jovens e adultos, que lotaram o espaço Ambient de Leitura na Esplanada do Theatro Pedro II.

Filosofia pop contra as falsidades
No Salão de Ideias, o escritor e filósofo ribeirão-pretano Matheus Arcaro — um dos homenageados desta edição da FIL — trouxe reflexões sobre Domenico De Masi e Byung-Chul Han, destacando a sociedade do cansaço e a importância do ócio criativo.

Em conversa interativa com o público, Arcaro lembrou que, ao contrário da ideia popular de que “ócio é o pai de todos os vícios”, para os pensadores o ócio criativo é essencial para a vida e para a criação.

“Trabalhar, aprender e divertir, ao mesmo tempo, é o tripé proposto por De Masi. O ócio é o espaço para essa criação.” Ele ressaltou ainda que a tecnologia pode ser uma aliada se utilizada para reduzir tarefas repetitivas e abrir espaço para lazer, família e liberdade criativa. “O contrário de ócio é negócio. Enquanto o ócio é trabalho criativo, o negócio é trabalho repetitivo, fixado no lucro”, finalizou.

Na Tenda Sesc Senac, a filósofa Márcia Tiburi e o jornalista e professor Jean Wyllys discutiram o conceito de “Falsolatria” — o culto à falsidade  relacionando-o à corrosão da democracia e à destruição de reputações em tempos de hiperconectividade. Wyllys destacou o impacto dos algoritmos no isolamento digital: “Eles nos levam a consumir somente aquilo com o que concordamos, nos tornando impermeáveis a qualquer outra informação. Daí surgem as brigas familiares, rompimentos entre amigos etc.”

Márcia Tiburi ressaltou como as redes sociais fragilizam as pessoas diante de uma “dominação invisível”.  “A racionalidade técnica é a racionalidade da dominação. Fomos esvaziados em nossa fé, em nossas relações pessoais e em nosso senso crítico, tentando preencher esse vazio na miséria das redes sociais.” Ela também alertou para a dependência tecnológica. “Estamos alimentando máquinas, trabalhando de graça para os gigantes da internet e sendo atacados por robôs. A luta é no diálogo cara a cara, no presencial.”

Para Wyllys, o desafio está em reverter a lógica de submissão às tecnologias.  “Elas não vão voltar atrás. O desafio é colocá-las a nosso serviço, para nos emancipar, e não para nos escravizar.” Márcia concluiu retomando a defesa da democracia: “Pensar o mundo custa. É preciso ler, refletir, articular ideias. Sustentar uma democracia exige trabalho diário, inteligência e a competência de todos nós.”

Bráulio Bessa fecha a noite com afeto e poesia
O encerramento da noite foi marcado pela conferência poética de Bráulio Bessa, que lotou a Sala Principal do Theatro Pedro II. Com versos sobre afeto, identidade e resistência cultural, o poeta cearense tocou o público e encerrou o sábado em clima de celebração coletiva.

Uma festa plural de ideias 
Além das conferências e saraus, oficinas práticas de contos, libras, composições poéticas, danças urbanas e desenho completaram a programação do dia. Para Dulce Neves, presidente da Fundação do Livro e Leitura de Ribeirão Preto, o sábado reafirmou o espírito da FIL.  “A cada edição, a FIL reafirma seu papel como espaço de encontros e de construção coletiva. Ao reunirmos autores, leitores e diferentes expressões culturais, fortalecemos a ideia de que a literatura é, acima de tudo, um exercício de imaginação compartilhada.”

A curadora da FIL e vice-presidente da Fundação, Adriana Silva, reforçou a mensagem central desta edição. “Neste ano, a Feira celebra os ‘Futuros Possíveis – entre linhas e parágrafos’ como convite para que cada pessoa se reconheça como parte dessa travessia, em que a leitura é ponto de partida para refletir, sonhar e agir em busca de uma sociedade mais justa e criativa. É quando a cidade se encontra com seus autores, suas histórias e múltiplas expressões artísticas. A FIL oferece um mosaico de possibilidades que conecta tradição, reflexão e inovação cultural.”

Sobre a FIL
A FIL - Feira Internacional do Livro de Ribeirão Preto) consagrou-se como um dos maiores eventos culturais do país e tornou-se internacional em 2020. Possui 25 anos de história e realiza neste ano a sua 24ª edição. A cada ano, a programação reúne autores, artistas, intelectuais, educadores, estudantes e participantes de diversas localidades. Todas as atividades são gratuitas e abertas à população, o que consolida o objetivo primordial de fomentar a leitura e de contribuir para ampliar os números de leitores do país. Em 2024, o evento registrou público de 250 mil pessoas, presença de 260 escritores e mais de 400 atividades realizadas. O impacto na economia de Ribeirão Preto foi da ordem de R$ 5 milhões. 

A realização conta com a parceria da Prefeitura Municipal por meio das Secretarias de Governo, Casa Civil, Educação, Cultura e Turismo, Infraestrutura, Meio Ambiente, Esportes, Fiscalização Geral e Saerp; do Ministério da Cultura e Governo do Estado de São Paulo por meio da Secretaria Estadual da Cultura, Economia e Indústrias Criativas, Sesc e Senac.

Patrocínio Diamante: Usina Alta Mogiana
Patrocínio Ouro: GS Inima Ambient 
Patrocínio Prata: Necta Gás Natural e Savegnago
Patrocínio: Apis Flora, AZ Tintas, Caldema, Caseli Tracan, Engemasa, RibeirãoShopping, Riberfoods, Pedra Agroindustrial S/A e TMA Máquinas.  

Instituição Cultural: Sesc e Senac
Apoio Cultural: ACI-RP, Automotiva Cestari, Lopes Material Rodante, Macopema, Monreale Hotel, Santiago e Cintra Geotecnologias, Grupo Suprir, Tonin Superatacado e Santa Helena.

Apoio Institucional: Fundação Dom Pedro II, Theatro Pedro II, Biblioteca Sinhá Junqueira, CUFA Ribeirão Preto, Ong Arco-Íris, Coletivo Abayomi, A9 - Água Alcalina, Alma (Academia Livre de Música e Arte), IPCIC - Instituto Paulista de Cidades e Identidades Culturais, Casa Grafite Comunicação e Cultura, Diretoria de Ensino de Ribeirão Preto, ETEC José Martimiano da Silva, Educandário, Sesi, Centro Universitário Barão de Mauá, Centro Universitário Moura Lacerda, Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), Faculdade Metropolitana, Adevirp, Fundação Dorina Nowill Para Cegos, Ann Sullivan do Brasil, Associação de Surdos de Ribeirão Preto, Caeerp, Dr. Cãopaixão - Projeto Cães de Terapia, Fada, RibDown, NeuroRib, Conventions & Visitors Bureau, Painew, Verbo Nostro Comunicação Planejada, Film Commission da Região Metropolitana de Ribeirão Preto, Instituto do Livro, RPMobi, Coderp, Guarda Civil Municipal e Polícia Militar.

Mais informações:
www.fundacaodolivroeleiturarp.com
Instagram: @fundacaolivrorp
Facebook: @fundacaodolivroeleiturarp
YouTube: /FeiraDoLivroRibeirao 
Twitter: @FundacaoLivroRP

Sobre a Fundação
A Fundação do Livro e Leitura de Ribeirão Preto é uma entidade de direito privado, sem fins lucrativos, responsável pela realização da Feira Internacional do Livro da cidade, hoje considerada a segunda maior feira a céu aberto do país e também por feiras em municípios do interior paulista. Com trajetória sólida, projeção nacional e agora internacional, a entidade estabeleceu sua experiência no setor cultural e, atualmente, além da feira, realiza muitos outros projetos ligados ao universo do livro e da leitura, com calendário de atividades durante todo o ano. A Fundação do Livro e Leitura se mantém com o apoio de mantenedores e patrocinadores, com recursos diretos e advindos das leis de incentivo, em especial do Pronac e do ProAc.

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VALTER JOSSI WAGNER
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FONTE: https://www.instagram.com/verbonostro/
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