Um mesmo produto, três destinos diferentes. No sistema da loja, consta como devolvido. No rastreio da transportadora, o pacote foi postado. Mas, ao ser aberto no centro de distribuição, revela-se vazio ou com um item diferente. A cena, cada vez mais frequente, compõe um cenário preocupante do novo tipo de golpe no e-commerce: a fraude da devolução.
Trata-se de uma prática em que o comprador solicita o reembolso de uma compra, mas devolve um produto diferente do original, danificado, falsificado ou envia uma embalagem vazia. Embora a devolução exista para proteger o direito do cliente, golpistas se aproveitam das políticas flexíveis e da dificuldade de verificação imediata para obter ressarcimentos indevidos, causando prejuízos aos vendedores.
De acordo com levantamento da ClearSale (empresa de segurança em TI), houve um crescimento de mais de 80% nas tentativas de golpe por falsas devoluções entre 2022 e 2024. A prática, chamada de “return fraud”, já movimenta um mercado paralelo que impacta diretamente margens e estratégias de grandes e pequenos lojistas. Outro dado alarmante é que uma parte dos golpes parte de consumidores com histórico aparentemente legítimo.
O crescimento do e-commerce acelerou também as brechas. Com mais políticas de frete grátis, devoluções facilitadas e ausência de checagem rigorosa, criminosos encontraram terreno fértil para sofisticar seus métodos. Há desde fraudes oportunistas, como devolver outro item semelhante ao comprado, até esquemas organizados, que envolvem reembolsos em massa com uso de identidades reais e falsas.
Segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), os prejuízos com devoluções fraudulentas já consomem cerca de 1,5% do faturamento bruto de grandes redes. Em negócios de pequeno porte, o impacto pode ser devastador. Para microempreendedores, a perda de um único pedido de valor médio já compromete o fluxo de caixa e exige revisão imediata da política de trocas.
A logística reversa, que deveria ser um trunfo competitivo para conquistar a confiança do consumidor, passou a ser, paradoxalmente, um ponto vulnerável. Muitos lojistas estão adotando medidas preventivas discretas como gravação do processo de embalagem, selos invioláveis, códigos únicos de identificação e integração de dados com plataformas antifraude. Providências válidas, mas nenhuma medida é infalível. Com o aumento das irregularidades, políticas de devolução podem ficar mais rígidas até para quem age de boa-fé.
Especialistas em segurança digital alertam para o fato de que o aumento da automação nas plataformas facilitou tanto a experiência legítima quanto a atuação fraudulenta. Algoritmos não conseguem, sozinhos, detectar todas as anomalias comportamentais. Ainda é preciso análise humana nos casos mais específicos.
A judicialização também está em alta. A Serasa Experian registrou, em 2024, um aumento de 36% nos litígios envolvendo disputas de devolução no ambiente online. As grandes plataformas, pressionadas, estão revisando suas políticas para equilibrar proteção ao consumidor e segurança do vendedor.
Não se trata de restringir direitos. É questão de repensar o modelo. Ao oferecer processos de devolução mais inteligentes e personalizados por perfil de risco, o setor pode equilibrar confiança e prudência. A batalha, no entanto, está longe do fim e exigirá um esforço contínuo de tecnologia, educação do consumidor e articulação entre plataformas, lojistas e sociedade.
*Luciano Furtado C. Francisco é analista de sistemas, administrador e especialista em plataformas de e-commerce. É professor do Centro Universitário Internacional – Uninter, onde é tutor no curso de Gestão do E-Commerce e Sistemas Logísticos e no curso de Logística.
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JULIA CRISTINA ALVES ESTEVAM
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