ECA faz 35 anos sob a ameaça da fragmentação orçamentária

AZ COMUNICAçãO
07/08/2025 16h27 - Atualizado há 5 horas

ECA faz 35 anos sob a ameaça da fragmentação orçamentária
Divulgação

*Rubens Naves

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90, completou 35 anos de vigência no dia 13 de julho. Nesses 35 anos, novos direitos, programas e políticas públicas foram estabelecidos com o objetivo de dar concretude ao princípio constitucional e civilizatório da prioridade às crianças e aos adolescentes. Graças a essas iniciativas, os avanços do Brasil em relação aos cuidados com a gestação, o parto e a primeira infância, à expansão das creches e da pré-escola, bem como à redução da desnutrição, da pobreza e do analfabetismo foram significativos.

A compreensão desses avanços nos leva a reconhecer o quanto ainda precisa ser feito para que o Brasil se torne uma pátria cuidadora, efetivamente acolhedora e saudável para as novas gerações. Esse reconhecimento deve reforçar — no governo, no Estado e na sociedade — o compromisso de perseverar no caminho da valorização eficaz da infância e da adolescência. Hoje, entretanto, essa missão se depara com uma ameaça: a fragmentação personalista e partidária do orçamento da União.

Somente neste ano, cerca de R$ 60 bilhões do orçamento federal serão aplicados segundo decisões pessoais de deputados federais e senadores, por meio de emendas parlamentares impositivas. Esse dispositivo perverte as atribuições dos Poderes da República e desequilibra as disputas eleitorais. Representa também um grave retrocesso em relação aos imperativos de impessoalidade, racionalidade, visão estratégica e eficiência na administração e nas políticas públicas.

Entre os objetivos do Estado brasileiro afetados por essa desestruturação da gestão orçamentária, a missão da ampla efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes se destaca por seu caráter multifatorial e interministerial, dependente de políticas integradas funcionando em sinergia. O avanço em áreas com essas características torna-se especialmente difícil quando parcela crescente dos recursos disponíveis é distribuída por critérios e interesses particulares dos parlamentares, bancadas partidárias e lideranças congressuais.

Para termos uma ideia do impacto potencial de uma boa aplicação — impessoal, técnica e estratégica — dos cerca de R$ 60 bilhões que deverão ser distribuídos pelas emendas parlamentares em 2025, comparemos esse montante com os orçamentos de importantes programas do governo federal.

Disputa democrática e ataque à democracia

Neste ano, a dotação orçamentária prevista para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que provê refeições nutritivas para crianças e adolescentes e promove hábitos alimentares saudáveis, é de aproximadamente R$ 5,5 bilhões. Outro programa federal, o Criança Feliz — maior programa de visitas domiciliares do mundo voltado para crianças de 0 a 6 anos, que provê acompanhamento e apoio ao desenvolvimento na primeira infância —, conta atualmente com orçamento de cerca de R$ 430 milhões. Somados, os investimentos que o Brasil faz na saúde e no desenvolvimento de milhões de crianças por meio desses dois programas correspondem a cerca de 10% do montante reservado às emendas parlamentares impositivas.

Não é razoável supor que a sociedade brasileira possa prescindir de aplicar dezenas de bilhões de reais em políticas de Estado estruturadas e estruturantes para atender a interesses fragmentários.

Muito tem sido dito sobre as mazelas da polarização política. Devemos lembrar que, nas democracias liberais, intensas disputas entre diferentes forças políticas circunscritas ao campo democrático fazem parte do que se entende tradicionalmente como política. É preciso discernir entre disputas democráticas, polarizadas ou não, e ataques à própria democracia.

Também deletéria — mesmo que não configure ameaça direta ao regime democrático — é uma mentalidade incapaz de preservar causas que não podemos perder de vista em meio a cálculos partidários e eleitorais. Aos 35 anos do ECA, devemos nos lembrar que os direitos e a promoção das crianças e dos adolescentes estão entre as grandes missões da nação e da cidadania — juntamente com a defesa de uma gestão estratégica, eficiente e eficaz do orçamento público.

*Rubens Naves é advogado, conselheiro e ex-presidente da Fundação Abrinq e coautor do livro Direito ao Futuro – As Leis que Regem os Direitos das Crianças e dos Adolescentes no Brasil e os Desafios para a sua Efetivação (Ed. Imprensa Oficial, 2010).


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Thamiris Freitas Galhardo
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