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José dos Santos Santana Jr.* Imagine alguém que procura ajuda médica por sentir que algo não está bem. Recebe um diagnóstico genérico: estresse, cansaço, ansiedade. Volta para casa tentando acreditar que é apenas isso. O tempo passa, os sintomas se intensificam, e só meses depois descobre-se algo muito mais grave — um câncer, por exemplo — já em estágio avançado, com chances de cura severamente reduzidas. Situações assim se repetem em consultórios, hospitais e serviços de emergência por todo o país.
É nesse contexto que surge uma das teses jurídicas mais sensíveis e relevantes do direito médico: a perda de uma chance.
Essa teoria representa a ideia de que, por falha na conduta do profissional de saúde ou da instituição hospitalar, o paciente foi privado da oportunidade real de alcançar um desfecho melhor — seja a cura, uma sobrevida maior, uma melhora significativa no quadro clínico ou até mesmo a chance de evitar sequelas. O que a Justiça reconhece aqui não é a certeza do que teria acontecido, mas sim a probabilidade concreta e razoável de que o paciente teria uma perspectiva mais favorável se tivesse recebido o atendimento correto no momento adequado. E perder essa possibilidade, por si só, já é um dano.
No campo médico, essa teoria se aplica com especial força justamente porque muitas vezes não é possível afirmar com exatidão qual teria sido o resultado ideal. Busca-se, portanto, proteger o paciente contra o apagamento dessa chance — contra o fato de que o tempo, que poderia ter sido decisivo, foi negligenciado. Exames que não foram solicitados, encaminhamentos que não aconteceram, sinais clínicos ignorados ou mal interpretados. Tudo isso pode representar a perda de uma chance real de cura ou de controle da doença.
É importante diferenciar essa situação do chamado “erro médico clássico” — aquele em que a conduta do profissional resulta diretamente no dano. Na perda de uma chance, a lógica é diferente: o que se questiona não é a certeza do nexo entre a falha e o resultado final, mas sim a supressão de uma possibilidade real de um desfecho melhor. Trata-se de proteger aquilo que foi impedido de acontecer, não apenas aquilo que efetivamente ocorreu.
O Poder Judiciário já reconhece essa tese em diversas decisões. Tribunais têm entendido que, quando um paciente é privado de uma chance real por conduta médica inadequada, há dever de indenizar. Nessas situações, não se exige a prova absoluta do que teria ocorrido, mas sim a demonstração de que existia uma expectativa concreta e plausível de um resultado diferente. A prova pericial é essencial nesses processos, pois é ela que permite medir o grau dessa chance perdida e a extensão do dano.
Do ponto de vista prático, quem vivencia uma situação semelhante — ou tem alguém próximo nessa condição — precisa agir com atenção. É fundamental preservar toda a documentação médica: receitas, laudos, prontuários, registros de consultas e exames. Ter uma linha do tempo clara dos acontecimentos também ajuda: quando surgiram os sintomas, quando o atendimento foi procurado, o que foi dito, o que deixou de ser feito. E, acima de tudo, é essencial procurar um advogado com experiência em direito médico, que possa avaliar com sensibilidade e técnica se o caso configura uma perda de chance juridicamente reconhecível.
Muitos pacientes e familiares ainda têm receio de judicializar esse tipo de situação — seja por não quererem confrontar o sistema de saúde, seja por estarem emocionalmente abalados. No entanto, é importante compreender que buscar justiça não é vingança. Não se trata de transformar dor em lucro, mas sim de garantir dignidade à dor vivida, responsabilizar falhas que não podem se repetir e dar voz a quem foi silenciado por omissões inaceitáveis.
Há situações que ajudam a ilustrar como a perda de uma chance pode ser reconhecida juridicamente. Imagine, por exemplo, uma paciente que chega ao hospital com sintomas típicos de infarto, mas não é encaminhada para atendimento especializado e é liberada sem exames. Horas depois, ela vem a óbito. Ainda que não se possa afirmar com certeza que ela sobreviveria com o cuidado adequado, é possível sustentar que foi privada da chance de lutar por sua vida — e essa oportunidade perdida tem valor jurídico.
Em outro caso, uma criança dá entrada no pronto-socorro com sintomas que poderiam indicar meningite, mas o caso é tratado como uma gripe comum. O diagnóstico correto é retardado, comprometendo o tratamento. Se houver elementos que demonstrem que a intervenção precoce aumentaria significativamente suas chances de recuperação, a ausência dessa intervenção pode configurar perda de uma chance.
Esses exemplos mostram que o Judiciário pode, de forma fundamentada, reconhecer que houve supressão concreta da oportunidade de um desfecho melhor, mesmo que o resultado final permaneça incerto.
A perda de uma chance, portanto, é uma forma de a Justiça reconhecer que nem sempre a vida segue o curso que era possível, e que há dores que não podem ser ignoradas só porque o futuro é incerto. No campo da saúde, tempo e atenção salvam vidas — ou podem tirá-las. E quando a conduta médica retira do paciente a oportunidade de tentar, lutar ou escolher, há um desequilíbrio que precisa ser reparado.
Buscar reparação nesses casos é um passo duro, mas necessário. Não para reescrever o passado, mas para fazer com que ele seja ouvido. Porque, em última análise, a perda de uma chance é também a perda de um direito fundamental: o direito de viver com dignidade, sendo tratado com respeito, atenção e responsabilidade.
*José dos Santos Santana Jr. é advogado especialista em Direito Empresarial e da Saúde e sócio do escritório Mariano Santana Sociedade de Advogados Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
CAIO FERREIRA PRATES
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