Uma brasileira apaixonada por Cuba, um passaporte com o selo de “Turista Controlada” e a vontade de contar histórias que vão além dos cartões-postais. Assim nasce Indomável – As descobertas de uma brasileira em Cuba (Editora Labrador, 180 págs.), livro de estreia da advogada Malu Garcia. Dividido em 28 crônicas, o livro apresenta um roteiro afetivo da ilha sob o olhar curioso, generoso e expansivo de quem a visitou nada menos que onze vezes – inclusive durante a pandemia da Covid-19. Nove de suas viagens viraram crônicas.
“Por abordar muitos contrastes, a autora revela duas viagens: uma territorial, outra identitária. Ao fim, temos uma narradora diferente, e é bonito acompanhar essa delicada transformação; trata-se da velha história de perder-se para encontrar-se, de deslocar-se para enfim fazer morada em si mesma”, escreve o escritor Léo Tavares no prefácio da obra.
“Viajar sozinha é a maior expressão de liberdade que uma mulher pode experimentar”
Mais do que uma coletânea de aventuras, Indomável é também um manifesto em favor da autonomia das mulheres que desejam explorar o mundo sozinhas. “Viajar sozinha é a maior expressão de liberdade que uma mulher pode experimentar”, afirma Malu. “Não ter que convencer ninguém que está com fome, que não quer sair à noite, que quer andar um dia inteiro de ônibus ou ficar um dia inteiro dentro de um museu; comprar o que quiser, sem julgamentos, e, sobretudo, estar consigo mesma para descobrir que é a sua própria melhor companhia.”
O livro está estruturado em duas partes: a primeira reúne histórias vividas antes da pandemia, incluindo o encantamento do primeiro contato com Cuba e a memória infantil do desejo de conhecer a ilha. A segunda parte narra os desafios enfrentados por Malu durante a pandemia, quando, em uma viagem arriscada, ficou presa no país sem previsão de retorno.
O que perpassa toda a obra, no entanto, é a riqueza das conexões humanas. Mesmo sozinha, Malu nunca está solitária. Sua personalidade extrovertida e acolhedora a leva a fazer amigos por onde passa – e a viver experiências inusitadas, como conhecer a ex-mulher cubana do cineasta Glauber Rocha ou a mãe do escritor Leonardo Padura.
Esse olhar atento e afetivo para o cotidiano faz com que Indomável se destaque como uma obra que não se limita aos pontos turísticos. Ao contrário, percorre vielas, mercados, casas, calçadas e memórias, revelando “um lugar que concentra o maior número de curiosidades por metro quadrado”, como a própria autora define.
Outro mérito da obra está na habilidade de Malu em entrelaçar suas vivências em Cuba com lembranças da infância, o que confere um tom íntimo e familiar aos relatos. “Esse gênero literário [a crônica] traz a oportunidade de acessar o cotidiano e dar importância para isso”, afirma. “Porque é no cotidiano que a vida acontece.”
Malu Olézia Garcia Leal Rodrigues de Arruda nasceu em Mariluz, interior do Paraná, em 1973. Ainda criança, mudou-se para Salto (SP) e, há 32 anos, vive em Itu. É formada em Direito pela FADITU, com especialização em Tribunal do Júri, mas teve também uma trajetória na comunicação: foi radialista e repórter dos 15 aos 18 anos, diretora regional da revista Aqui! e apresentadora do programa Direito na TV, veiculado com apoio da própria faculdade.
Essa intimidade com a linguagem abriu o caminho para Indomável, que, segundo ela, representou um processo de cura: “A escrita organiza os sentimentos. Depois de escrever as minhas vivências fora da minha casa, eu organizo melhor a minha própria casa. Depois de viajar para um lugar com a cultura de Cuba, eu valorizo o lugar onde eu vivo e as minhas amizades de lá e daqui”.
Mas a escrita também exigiu coragem. “É algo que se faz absolutamente sozinha, com muitas dúvidas e nenhuma segurança de que o que está fazendo seja razoavelmente bom”, confidencia. “Eu apenas confiava que as minhas vivências eram únicas e eu estava contando histórias que vivi que muita gente gostaria de ter vivido – nem que fosse só pelas risadas.”
Confira um trecho do livro (pág. 57) :
" (...) o Malecón é muito mais do que um ponto limítrofe do seu país ou, em especial, uma bela borda para sua venerada Havana. Muitas cidades no mundo têm seu paredão que impõe limite ao mar. Se, para quem é de fora da Ilha, o Malecón parece ser só mais um cartão-postal, para o cubano é o lugar do seu mais profundo e próprio sentimento de pertencimento. É uma sensação de que a própria existência tem seu lugar de conforto. É comum o turista mais desavisado, meio sem percepção das coisas verdadeiramente grandiosas de um lugar (como eu), demorar um pouco para perceber que aquela “serpente pétrea”, como descreve o Padura, é mais, muito mais do que o gigantesco muro que barra o mar. O Malecón faz parte da identidade do cubano. E, sim, me dei conta: estava na cena da folhinha do mês de fevereiro da minha infância. A calçada de cerca de cinco metros de largura, margeando as seis pistas da avenida, e o muro gigante visto de frente. Por trás dele, o inconfundível pôr do sol alaranjado que desejei com tanta força poder um dia ver ao vivo. E nós estávamos ali. Aquela brisa confirmava: eu consegui".
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VERIANA RIBEIRO ALVES
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