No final de junho, a Anvisa determinou que medicamentos à base de agonistas de GLP‑1 — como Ozempic, Wegovy, Saxenda, Mounjaro e similares — só podem ser vendidos mediante retenção da receita médica. A nova regra vem com a promessa de frear a banalização dessas drogas, usadas não apenas no tratamento da diabetes tipo 2 e obesidade, mas também como suposto atalho para fins estéticos. Mas será que a obrigatoriedade de reter o receituário no balcão vai, de fato, conter esse consumo indiscriminado?
O consumo de Ozempic e outros GLP‑1 explodiu nos últimos meses no Brasil, impulsionado pela busca acelerada pelo “corpo ideal”. A popularização desses medicamentos nas redes sociais e as recomendações informais entre amigos transformaram um tratamento médico em um recurso de emagrecimento rápido e descompromissado. O que se desenha como conquista estética, na verdade, pode esconder riscos graves — de hipoglicemias e desidratação até distúrbios psicológicos ligados à imagem corporal. É urgente refletir sobre as consequências de recorrer a fármacos potentes sem a devida indicação e supervisão médica.
A retenção da receita é, em teoria, um avanço importante: dificulta o acesso indiscriminado e fortalece o papel do médico na prescrição consciente. No entanto, na prática brasileira, onde o controle documental muitas vezes é negligenciado, a eficácia dessa medida dependerá da rigidez na fiscalização. Sem auditorias frequentes, punições exemplares e controle rigoroso nas farmácias, há o risco de que essa exigência se torne apenas mais um entrave simbólico, facilmente contornado por vendas informais ou complacência comercial.
Além dos efeitos fisiológicos, o uso desenfreado de medicamentos para emagrecer revela uma medicalização perigosa da estética. O uso de remédios com ação hormonal ou metabólica sem acompanhamento pode agravar condições de saúde já existentes, provocar efeitos adversos sérios e até induzir à dependência. Pior: ao medicar um sintoma — o sobrepeso — sem tratar suas causas estruturais, sociais ou emocionais, cria-se um ciclo artificial e ineficaz. Não se emagrece de verdade, apenas se reprime o corpo momentaneamente.
Portanto, a medida da Anvisa é bem-vinda, mas não deve ser tratada como solução definitiva. Ela precisa ser acompanhada de uma política de vigilância sanitária robusta, campanhas educativas que informem a população sobre os riscos reais desse tipo de automedicação e uma atuação ética e responsável dos profissionais de saúde. O corpo ideal não pode ser perseguido à custa da saúde integral. É hora de resgatar a consciência crítica sobre o que significa, de fato, cuidar de si.
*Alessandro Castanha da Silva é biólogo, especialista em Microbiologia Clínica e professor dos cursos da Área de Saúde da Uninter.
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JULIA CRISTINA ALVES ESTEVAM
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