É cada vez mais comum abrir o Instagram ou o TikTok e encontrar perfis dedicados exclusivamente a “expor” pessoas. Dívidas não pagas, traições conjugais, falas polêmicas, supostos golpes em vendas ou até questões íntimas passam a ser compartilhadas publicamente, sem filtro, sem análise jurídica e muitas vezes sem qualquer prova.
Nessa nova arena digital, o tribunal é a opinião pública e a sentença é a humilhação coletiva.
Segundo levantamento da SaferNet Brasil, o cyberbullying e a humilhação virtual estão entre os principais fatores associados ao aumento de quadros de ansiedade, depressão e ideação suicida entre jovens. Relatório de 2023 aponta que 38% dos adolescentes brasileiros já sofreram alguma forma de exposição constrangedora online (SaferNet, 2023). A Organização Mundial da Saúde também alerta: o suicídio já é a quarta causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, e a humilhação digital está entre os principais gatilhos.
Para o Prof. Leandro Velloso, docente de Direito da UNESA, pesquisador em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV/ES, Advogado do SANDIM Advogados Associados e autor de 16 livros jurídicos, o fenômeno dos “exposed” revela a fragilidade dos limites éticos e legais nas redes sociais:
“Vivemos em uma era de justiçamento digital. Pessoas acreditam que têm direito absoluto de expor publicamente a intimidade alheia, quando na verdade a liberdade de expressão encontra seu limite no direito à honra, à intimidade e à dignidade humana.”
O professor explica que a Constituição Federal garante a liberdade de expressão como direito fundamental (Art. 5º, Inciso IX), mas não autoriza a prática de crimes contra a honra, constrangimento ilegal ou danos morais.
✔ Crimes contra a honra (Código Penal, arts. 138 a 140) – calúnia, difamação e injúria podem ser configurados mesmo que a pessoa exponha algo verdadeiro, caso seja feito apenas para humilhar.
✔ Constrangimento ilegal (art. 146) – obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer algo, mediante ameaça ou exposição, é crime.
✔ Dano moral – o Código Civil (arts. 186 e 927) prevê indenização por atos ilícitos que causem dano à imagem, honra ou intimidade.
“Publicar informações que não sejam de interesse coletivo ou que visem exclusivamente humilhar configura abuso de direito. Mesmo quando verdadeiras, exposições feitas com finalidade de vergonha pública podem ser indenizáveis ou mesmo criminosas”, esclarece Velloso.
O professor explica que há exceções legítimas. Por exemplo, denúncias de assédio moral em empresas, crimes sexuais ou irregularidades que afetam coletividades podem, se feitas de boa-fé, configurar exercício regular de direito ou interesse público. Porém, listas de “caloteiros”, “exposed de traição” ou humilhações pessoais raramente se enquadram como legítimas.
Especialistas apontam que a cultura do cancelamento evoluiu para o linchamento digital, onde não se busca justiça, mas sim punição pública e humilhação como forma de vingança ou controle social.
O termo “shame culture” (cultura da vergonha) tem sido utilizado para descrever sociedades onde a honra pública vale mais que a verdade ou a lei. Segundo dados do Pew Research Center (2023), 58% dos jovens entrevistados já participaram de algum tipo de exposição ou cancelamento digital de terceiros.
A humilhação virtual está associada a:
Ansiedade e depressão
Isolamento social
Automutilação
Ideação e tentativas de suicídio
Transtornos de imagem corporal
Esses efeitos são potencializados pelo caráter permanente da internet e pela rapidez com que a informação viraliza.
Para Velloso, as redes sociais precisam assumir responsabilidade social:
“Quando uma plataforma permite páginas criadas exclusivamente para expor pessoas sem qualquer moderação, ela contribui para a violação de direitos fundamentais. Não se trata de censura, mas de responsabilização por omissão dolosa.”
Educação digital – programas de conscientização sobre uso responsável da internet, principalmente em escolas.
Aplicação efetiva da lei – punições exemplares em ações judiciais para desestimular a prática.
Regulamentação das plataformas – mecanismos ágeis de denúncia e remoção, além de filtros para impedir a criação de perfis exclusivamente voltados à exposição de terceiros.
Apoio psicológico às vítimas – campanhas e canais de atendimento especializados em cyberbullying e humilhação virtual.
O debate sobre humilhação virtual e exposição pública vai além do direito digital. Trata-se de definir que sociedade desejamos construir.
Para o Prof. Leandro Velloso:
“A liberdade de expressão não é licença para humilhar. O tribunal da internet não substitui o Poder Judiciário. Expor alguém sem interesse público legítimo é violência simbólica que fere a dignidade humana.”
No fim, o direito de falar encontra limite no dever de respeitar. E na sociedade digital, o que falta não é voz – mas humanidade no uso dela.
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PRISCILA GONZALEZ NAVIA PIRES DA SILVA
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