Entre a exaustão e o progresso: o desafio do burnout no Brasil
Agenor Santana
24/06/2025 12h18 - Atualizado há 14 horas
Silvia Rezende é psicologia, especializada em Terapia Comportamental-Cognitiva (Foto: Divulgação)
Por Silvia Rezende** Há momentos na história em que a legislação se alia a um clamor social largamente silenciado. Desde 1º de janeiro de 2025, o Brasil avança em um caminho que muitos esperavam: a adoção da nova Classificação Internacional de Doenças (CID-11) da OMS, que reconhece oficialmente a Síndrome de Burnout como uma doença ocupacional, sob o código QD85. Essa medida garante aos trabalhadores não apenas o reconhecimento de seu sofrimento, mas os mesmos direitos trabalhistas e previdenciários assegurados em casos de outras doenças relacionadas ao trabalho, como o acesso a afastamento, auxílio-doença e, em situações mais extremas, aposentadoria pelo INSS. Esse avanço também traz consigo a claridade necessária para distinguir o burnout de outros transtornos mentais, como a depressão. Com critérios diagnósticos mais específicos, profissionais da saúde e gestores conseguem, ao fim de uma longa espera, identificar com precisão os sintomas dessa síndrome devastadora – desde o esgotamento físico e mental até a insatisfação e o sentimento de fracasso profundo. Essa precisão diagnóstica não apenas diminui a confusão clínica, mas também oferece transparência na concessão de benefícios, transformando um reconhecimento burocrático em uma ferramenta de justiça social e de saúde pública. Os números, porém, contam uma história ainda mais alarmante. O Brasil, que atualmente ocupa a segunda posição mundial em casos de burnout, atrás apenas dos Estados Unidos, tem visto entre 30% e 40% dos trabalhadores apresentarem sintomas dessa síndrome. Em 2023, registrou-se 421 afastamentos por burnout – um aumento de 136% quando comparado a 2019, e um salto quase impressionante de 1.000% em apenas uma década. Esses dados, que refletem apenas os afastamentos superiores a 15 dias, pintam um quadro de um problema que pode ser ainda mais amplo do que o que as estatísticas oficiais mostram. Em 2024, mais de 470 mil afastamentos por transtornos mentais – incluindo burnout, ansiedade e depressão – foram contabilizados, o maior número registrado em dez anos, sendo que grande parte desses casos ocorre entre mulheres, com uma média de 41 anos e um afastamento médio de três meses. As causas do burnout são tão complexas quanto as realidades que sustentam o nosso mercado de trabalho moderno. O excesso de trabalho, a implacável pressão por resultados, conflitos com chefes e ambientes organizacionais tóxicos se combinam para criar um caldo emocional explosivo. Não se trata de um conto isolado, mas de um retrato fiel de uma sociedade que, na busca incessante por produtividade, esqueceu de cuidar da saúde mental de seus cidadãos. Não podemos ignorar os impactos devastadores desse fenômeno. Além de comprometer a produtividade e a qualidade de vida, o burnout impõe um custo econômico significativo – estimativas apontam para quase R$ 3 bilhões em despesas decorrentes de afastamentos relacionados a transtornos mentais, apenas em 2024. O sofrimento não se restringe à esfera individual; ele reverbera no ambiente corporativo, contribuindo para o aumento das demissões voluntárias e indicando uma insatisfação estrutural que vai muito além dos balanços financeiros. Diante de tamanha evidência, empresas e governos são instados a repensar a forma como gerenciam os ambientes de trabalho. A atualização da Norma Regulamentadora NR-01, exige das organizações uma postura proativa na gestão dos riscos psicossociais – um passo vital para combater o assédio moral, o assédio sexual e outras dinâmicas que minam o bem-estar dos trabalhadores. A integração entre os departamentos de recursos humanos e de saúde e segurança no trabalho passa a ser indispensável para fomentar uma cultura organizacional que valorize o ser humano acima das metas e números. O reconhecimento oficial do burnout pela CID-11 é, sem dúvida, um marco histórico e um apelo à reflexão. Ele nos desafia a reimaginar a essência do trabalho e a importância da saúde mental, transformando uma dura estatística em um chamado para a mudança. Se quisermos construir um futuro em que o progresso venha acompanhado do bem-estar coletivo, é imperativo que políticas públicas, empresas e a sociedade civil se unam na missão de humanizar o ambiente de trabalho. Afinal, a qualidade de vida de milhões não pode continuar sendo refém de uma cultura de exaustão, onde os números se sobrepõem à dignidade. **Silvia Rezende é graduada em Pedagogia e Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, Silvia possui especialização em Terapia Comportamental Cognitiva em saúde mental pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Ela é a coordenadora técnica da Clínica de Psicologia LARES e professora do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Silvia atua também como psicóloga colaboradora no IPQ HC FMUSP e no Programa de Psiquiatria Social e Cultural (PROSOL), um grupo do Instituto de Psiquiatria da FMUSP. Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
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