Clínicas para autistas e a responsabilidade jurídica no atendimento
Ausência de contratos claros entre a clínica e os responsáveis legais dos pacientes compromete a segurança jurídica
FERREIRA ANTUNES
04/06/2025 15h29 - Atualizado há 1 dia
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José dos Santos Santana Jr.* Atender pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) não é apenas ofertar um serviço de saúde — é assumir um compromisso ético, técnico e jurídico de altíssima responsabilidade. Quando uma família confia seu filho a uma clínica especializada, entrega também sua vulnerabilidade, sua esperança e sua confiança em que haverá não apenas competência, mas humanidade e proteção.
Nesse cenário, o jurídico não pode ocupar um papel coadjuvante. Ele é, ou deveria ser, parte estruturante da operação clínica. A Lei nº 12.764/2012 — que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA — reconhece a pessoa autista como pessoa com deficiência, o que significa que todos os direitos assegurados pela Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) são plenamente aplicáveis. Isso exige, das clínicas, mais do que excelência terapêutica: impõe total conformidade legal.
Um dos erros mais comuns, e perigosos, é a informalidade contratual. Ausência de contratos claros entre a clínica e os responsáveis legais dos pacientes compromete a segurança jurídica da operação. O contrato precisa delimitar, com precisão, os serviços ofertados, seus limites técnicos, obrigações recíprocas e condições financeiras. Sem isso, multiplicam-se os riscos de judicializações, acusações de omissão ou disputas interpretativas.
Com as operadoras de saúde, o embate ganha contornos ainda mais complexos. Negativas de cobertura, glosas arbitrárias e restrições infundadas de sessões são barreiras que impactam diretamente o atendimento. Para enfrentá-las, é preciso mais do que indignação: é necessária uma base documental robusta. Prontuários detalhados, relatórios técnicos coerentes, laudos atualizados e consentimentos formalizados são os principais instrumentos de defesa — tanto no campo administrativo quanto judicial.
O mesmo cuidado deve alcançar a equipe terapêutica. Profissionais como psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e analistas do comportamento atuam sob alta demanda emocional. Não formalizar seus vínculos, negligenciar obrigações trabalhistas ou impor jornadas abusivas é empurrar a clínica para um passivo trabalhista inevitável. Cuidar de quem cuida é parte essencial da responsabilidade institucional.
Outro ponto crítico é o tratamento de dados pessoais e sensíveis — especialmente em unidades que lidam com crianças. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) exige rigor absoluto. Relatos, imagens, registros de evolução terapêutica: nada pode ser divulgado ou compartilhado sem consentimento específico e documentado. Qualquer falha nesse aspecto não é apenas um deslize — é uma infração passível de sanção.
É nesse contexto que a atuação de um departamento jurídico especializado se torna vital. Contratos, protocolos, treinamentos, políticas internas, atualização regulatória: o jurídico precisa ser preventivo, estratégico e integrado ao cotidiano da clínica. Trata-se de um parceiro essencial, que sustenta não só a viabilidade do negócio, mas a integridade da missão assumida.
Atender pessoas com TEA é um chamado de grandeza. Requer técnica, sensibilidade e coragem. Mas nada disso se sustenta sem responsabilidade jurídica. Ética, legalidade e cuidado não são trilhas paralelas — são uma só estrada. E percorrê-la exige mais do que boas intenções: exige compromisso real com o bem-estar de quem mais precisa.
*José dos Santos Santana Jr. é advogado especialista em Direito Empresarial e da Saúde e sócio do escritório Mariano Santana Sociedade de Advogados Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
CAIO FERREIRA PRATES
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