O caso de Kathelen Tavares, que acreditava estar que acreditava estar grávida de gêmeos, mas deu à luz apenas um bebê no dia 28 de março de 2025 no Hospital da Mulher Mariska Ribeiro (HMMR) na Zona Oeste do Rio de Janeiro, escancarou um grave problema na rede de diagnóstico pré-natal no Brasil – tanto pública quanto privada – e suscita uma série de questões éticas, técnicas, jurídicas e humanas que merecem atenção aprofundada.
Segundo os relatos da paciente, laudos de ultrassonografias realizados tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) quanto em clínica particular apontavam gravidez gemelar, inclusive com diferenciação de peso, batimentos cardíacos e medidas de fêmur. Essa conclusão teria sido reforçada por diversos profissionais ao longo de mais de dez consultas de pré-natal.
Ao romper a bolsa, considerando os exames pré-natais ao longo de toda gestação, tanto a parturiente quanto os profissionais de saúde envolvidos no parto acreditavam se tratar de gestação gemelar, se estruturando para o nascimento de dois bebês. No entanto, durante a cesariana apenas um bebê foi encontrado, acompanhado de uma única placenta e um único cordão umbilical, conforme relatado pelos 12 profissionais presentes no momento do parto.
A explicação da Secretaria Municipal de Saúde foi de que se tratou de um erro de interpretação no primeiro exame de imagem, em que os batimentos cardíacos do mesmo feto teriam sido captados em dois pontos distintos do abdome materno, sendo erroneamente interpretados como dois fetos. Além disso, sugere-se que estruturas como o saco gestacional podem ter causado confusão nas imagens. Contudo, o argumento levanta dúvidas quando confrontado com a quantidade de profissionais envolvidos no acompanhamento pré-natal da paciente que, em tese, confirmaram o diagnóstico gemelar inicial.
O caso, embora aparentemente raro, não é inédito. Situações semelhantes foram registradas em estados como Pernambuco e Goiás no ano de 2019, onde outras gestantes acreditaram esperar gêmeos, mas no parto deram à luz a apenas um bebê. Em tais ocorrências, levantam-se hipóteses sobre falhas humanas, artefatos de imagem (como imagens especulares), limitações tecnológicas e até variáveis maternas que possam influenciar na captação das imagens ecográficas.
Não restam dúvidas de que o impacto psicológico sobre a gestante e sua família é profundo. A preparação emocional e física para receber dois filhos transforma-se em frustração, angústia e desconfiança diante do sistema de saúde. As pacientes e familiares, compreensivelmente, exigem respostas e explicações técnicas e éticas satisfatórias sobre o paradeiro do bebê que acreditavam gestar, mas não nasceu.
Nos três casos noticiados, as gestantes realizaram exames em diferentes locais, por diferentes profissionais, em fases distintas da gestação e em múltiplos equipamentos, sugerindo mais do que um erro isolado e exige uma investigação minuciosa dos laudos originais e nas metodologias de interpretação aplicadas.
As hipóteses que devem ser investigadas nos casos de gestação aparentemente gemelar de feto único envolvem principalmente três variáveis i) o aparelho, que pode ser velho, de qualidade inferior ou não estar corretamente calibrado alterando o resultado; ii) o erro humano (examinador) em que o examinador pode ter dificuldade na identificação e visualizar uma imagem fantasma ou repetida que não é real e iii) a paciente que pode apresentar líquido amniótico aumentado gerando espelhamento da imagem fetal (imagem especular) na ecografia.
O curioso é que tanto no caso de Kathelen Tavares quanto nos casos pretéritos ocorridos em Goiana e Pernambuco, as imagens registraram fetos em posições distintas e não “perfeitamente espelhadas”, mas ao mesmo tempo ao obterem o resultado de gestação gemelar em múltiplos exames com alteração das variáveis de aparelho e profissional torna-se difícil atribuir o “erro” a eles.
Essas ocorrências demandam a abertura de inquérito pela Polícia Civil para investigar se houve a subtração de algum nascituro, conforme as famílias acreditam ou se efetivamente houve um erro de diagnóstico e se ele decorre de negligência ou é escusável. De toda forma não se descarta a necessidade de se realizar uma auditoria técnica independente para revisão dos exames e condutas médicas realizando uma apuração tecnicamente clara, além da capacitação dos profissionais, na padronização dos protocolos de interpretação de exames e verificação da qualidade dos equipamentos.
Os casos noticiados evidenciam falhas estruturais no sistema de diagnóstico pré-natal brasileiro, tanto público quanto privado, e revelam a necessidade urgente de revisão técnica, ética e jurídica nos protocolos de imagem e conduta médica. A discrepância entre os exames e o desfecho do parto, somada a casos semelhantes, exige investigação rigorosa para apurar se houve erro escusável, negligência ou até mesmo eventual subtração de nascituro.
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KAMILA BATISTA GARCIA
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