A polêmica em torno da música “Borderline”, da dupla Maiara & Maraisa, reacendeu um debate necessário sobre saúde mental e a banalização de termos psiquiátricos na cultura popular. A canção, que gerou controvérsia nas redes sociais mesmo antes de seu lançamento oficial, narra uma conversa entre duas mulheres, na qual uma alerta a outra sobre um suposto parceiro abusivo. No entanto, a letra associa esse comportamento ao Transtorno de Personalidade Borderline (TPB).
Isabela Santana, médica psiquiatra e Head de Psiquiatria da Telavita, esclarece que o TPB é uma condição clínica complexa, marcada por instabilidade emocional, relacionamentos intensos e instáveis, autoimagem distorcida e impulsividade. “Borderline não é um traço de personalidade, não é sinônimo de drama ou toxicidade. Trata-se de um transtorno mental sério, que exige escuta qualificada, diagnóstico profissional e tratamento especializado”, explica.
Entre os sintomas mais comuns estão medo intenso de abandono, sensação crônica de vazio, impulsividade, raiva desproporcional e comportamentos autodestrutivos — como automutilação e tentativas de suicídio. O diagnóstico é clínico e só pode ser feito por um profissional de saúde mental, com base em entrevistas estruturadas, análise de histórico pessoal e observação de padrões persistentes de comportamento. De acordo com os critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), é necessário que ao menos cinco sintomas estejam presentes de forma consistente desde a adolescência ou início da vida adulta, sem que possam ser explicados por outros transtornos ou uso de substâncias.
“As causas do TPB envolvem uma combinação de fatores genéticos, neurobiológicos e ambientais. Há maior risco entre pessoas com histórico familiar do transtorno, além de alterações cerebrais ligadas à regulação emocional. Experiências traumáticas na infância — como negligência, abandono ou abuso — também são frequentemente associadas ao desenvolvimento do TPB”, explica Isabela.
Nos relacionamentos interpessoais, o transtorno pode provocar instabilidade, reações emocionais intensas e uma sensibilidade extrema à rejeição. “É comum que a pessoa com TPB transite entre a idealização e a depreciação dos outros, o que gera rupturas frequentes e sofrimento mútuo. Em ambientes familiares, podem surgir conflitos constantes e demandas por proteção extrema. Já no trabalho, a impulsividade e a dificuldade com hierarquias ou críticas podem prejudicar a convivência”, observa a psiquiatra.
A especialista alerta para os perigos de associar, de forma simplista, o TPB a comportamentos abusivos em relacionamentos, como sugerido pela música de Maiara & Maraisa. “Essa associação é reducionista e estigmatizante. Nem toda pessoa com TPB é abusiva — muitas vezes, são elas as vítimas. O uso irresponsável de diagnósticos como forma de desqualificar ou silenciar alguém constitui, inclusive, uma forma de violência emocional. Reduzir o transtorno a rótulos como ‘manipulador’, ‘intenso’ ou ‘problemático’ é desumano e deseducativo. O diagnóstico deve servir ao cuidado, não à opressão”, reforça Isabela.
O tratamento do TPB é possível e pode trazer significativa melhora na qualidade de vida. Abordagens terapêuticas eficazes incluem a Terapia Comportamental Dialética (DBT), a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), a Terapia Baseada em Mentalização (MBT) e a Terapia do Esquema. Medicamentos podem ser indicados para tratar sintomas associados, como ansiedade ou depressão, sempre sob acompanhamento psiquiátrico. A rede de apoio também exerce papel essencial. Familiares, amigos e parceiros podem contribuir oferecendo escuta ativa, respeitando seus próprios limites, incentivando a adesão ao tratamento e evitando atitudes julgadoras.
Para Isabela, é urgente que o debate sobre saúde mental seja conduzido com mais responsabilidade e sensibilidade. “Precisamos trocar o julgamento pela escuta, o preconceito pela informação e os rótulos pela empatia. Borderline não é um adjetivo. É um transtorno real, que precisa de acolhimento, não de condenação”, finaliza a especialista.
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Louise Barbosa Favaro
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