19/07/2024 às 21h09min - Atualizada em 19/07/2024 às 21h08min

Trabalho à distância, pejotização, uberização.

Justiça e Cidadania - Almir Pazzianotto Pinto

Justiça e Cidadania - Almir Pazzianotto Pinto

Almir Pazzianotto Pinto é um jurista brasileiro. Foi presidente do Tribunal Superior do Trabalho no biênio 2000-2002.

Almir Pazzianotto Pinto
​​Elaborada no final de 1942, para ser aprovada em maio de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não poderia profetizar formas de contratos, ofícios e profissões que surgiriam décadas depois, como exigências da economia em constantes transformações. Foi o que se deu com a terceirização, o trabalho temporário, a pejotização, o Uber, o trabalho à distância.

​​Afinal, a vida não se deixa aprisionar nas malhas da legislação. O legislador, porém, para não se distanciar da realidade, deve observar, analisar e acompanhar a evolução incessante das relações sociais, econômicas, do desenvolvimento cultural e científico.

​​Nas décadas de 1930/1940, estarrecidos diante da barbárie causada pela Segunda Guerra Mundial, os países neutros procuravam se defender com medidas do isolamento. O fenômeno da globalização, provocado pelo desaparecimento dos fatores espaço e tempo (Eric Hobsbawm), daria os primeiros passos a partir da década de 1970. Antigos mercados asiáticos, antes pobres, isolados, e desconhecidos no Ocidente, em uma década passaram por extremas alterações. Expandiram-se e enriqueceram, como ocorreu com a China, Coréia do Sul, Singapura, o que não aconteceu no Brasil subdesenvolvido, preso às amarras da economia atrasada, fechada e superprotegida.

​​Com mais de 80 anos de vida, a CLT resiste à modernização. Disso resulta o perverso fenômeno da extrema litigiosidade nas relações individuais e coletivas de trabalho. Não bastasse, preserva a estrutura sindical pelega, decalcada do modelo corporativo fascista da Carta Del Lavoro.

​​Terceirização, pejotização, uberização, trabalho temporário, trabalho à domicílio, são consequências inevitáveis da nova economia, baseada nos princípios de liberdade de escolha, da valorização da livre iniciativa, do incremento da produtividade e da eficiência.

​​Na definição do art. 2º, da CLT, as empresas compõem espécie desconhecida de massa homogênea. Conforme reza a norma legal, não existem diferenças entre aquelas que exercem atividades lucrativas e as associações culturais, recreativas e os profissionais liberais, tampouco entre micro, pequenas, médias e grandes sociedades.  O art. 3º da CLT, por sua vez, define empregado como “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Alheio ao mundo real, o parágrafo único se recusa a distinguir a natureza do emprego e a condição do trabalhador, entre o trabalho intelectual, técnico e manual. A fuga à realidade resultou do desejo de amparar hipotéticos hipossuficientes, independentemente da profissão exercida, do salário pago, das condições sociais, financeiras, culturais dos empregados.

​​Ambas as definições foram construídas com os olhos fechados aos fatos, com nítidos objetivos paternalistas, em benefício de imaginária figura do trabalhador semi- incapaz. embora plenamente apto para o exercício dos direitos civis ao completar 18 anos, como diz o art. 5º do Código Civil. Poderá se casar, divorciar-se, concorrer a cargo público, ser eleitor, empregador, ter conta bancária, fazer empréstimos, apostar, eleger-se vereador, ser coach, influencer ou apenas vadiar.

​​Para robustecer a proteção ao suposto hipossuficiente, o art. 9º concede ao juiz a liberdade para interpretar os fatos e concluir que o empregador, ao cumprir o contrato escrito ajustado com o empregado, assim o fez com o objetivo de impedir ou fraudar a aplicação da CLT.

​​Da livre presunção de fraude se alimenta o combate à terceirização, à pejotização, à uberização, a toda e qualquer forma de serviços não estritamente regulamentados pela Consolidação. Alterações bilaterais são permitidas, desde que, na interpretação do Judiciário, não traga prejuízos diretos ou indiretos (sic) ao empregado.

​​Na moderna economia, não vejo qual o interesse do empregador lesar colaboradores e atrair inevitável intervenção do Ministério Público ou da Justiça do Trabalho. Com as atenções voltadas a mercados competitivos, tratam de manter saudável ambiente interno e garantir condições compatíveis com os objetivos da empresa. Para isso será indispensável a colaboração de mão de obra recrutada, treinada e remunerada de acordo com a qualificação profissional.

​​Registre-se que o jovem dos nossos dias tem revelado pouco interesse em permanecer estável no mesmo emprego ao longo da vida. O mercado está ávido e necessitado de pessoas especializadas. Ele sabe que o sucesso depende de esforço pessoal e constante requalificação. Assim se explicam o crescimento do trabalho informal e a dessindicalização, surgidos nos países altamente industrializados, já em marcha acelerada no Brasil.

​​Mudança é a lei da economia. Deve ser respeitada. A CLT prestou bons serviços ao longo dos anos. E o momento de se buscar legislação nova, sintonizada com a sociedade robotizada e informatizada, quando já se fazem presentes os insondáveis desafios da Inteligência Artificial.
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