Game over para a infância: como os jogos digitais estão viciando nossas crianças

Sheron Mendes

VALQUIRIA MARCHIORI
10/10/2025 11h48 - Atualizado há 15 horas

Game over para a infância: como os jogos digitais estão viciando nossas crianças
Rodrigo Leal

Os jogos eletrônicos deixaram de ser passatempo para se tornarem verdadeiras armadilhas neurológicas. A lógica por trás deles não é inocente: são plataformas desenhadas para capturar atenção e prolongar a permanência diante da tela. Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil (2024), oito em cada dez crianças e adolescentes usam a internet todos os dias, e boa parte desse tempo é dedicada aos jogos digitais.

Como descreve Adam Alter em Irresistível (2017), o design desses jogos incorpora os mesmos gatilhos de recompensa que mantêm pessoas presas a drogas e apostas. Cada fase vencida, cada conquista virtual, dispara ondas de dopamina que condicionam o cérebro infantil a desejar “só mais um pouco”, até que esse pouco se converte em horas de imersão. “Você começa a jogar porque quer se divertir, mas continua jogando para evitar a sensação de infelicidade” (p. 127), escreve Alter. Para se ter uma ideia, a dinâmica é a mesma dos cassinos: reforços intermitentes que mantêm o jogador preso ao ciclo. Por isso, muitos especialistas descrevem os jogos como uma “cocaína comportamental”, capaz de sequestrar o sistema de recompensa e prender a criança numa busca incessante pela próxima vitória.

Esse ciclo não se limita ao entretenimento. Ele altera ritmos biológicos, prejudicando o sono; compromete funções executivas, dificultando a manutenção da atenção e a leitura prolongada; e mina interações sociais, criando crianças mais irritáveis e menos disponíveis para vínculos fora das telas. A neurociência alerta que o cérebro infantil, em plena fase de plasticidade, é especialmente vulnerável a tais estímulos: em vez de favorecer a paciência e o pensamento crítico, os jogos digitais reforçam a lógica do impulso e da gratificação imediata.

Do ponto de vista educacional, os efeitos podem ser refletidos em queda no rendimento escolar, intolerância ao esforço mental e dificuldade de concentração. No ambiente familiar, não raro, surgem explosões de raiva diante das tentativas de limitar o tempo de jogo, transformando a rotina em um campo de batalha. A clínica confirma o que a teoria explica: como lembra a neuropsicóloga e professora da UFPR Tatiana Riechi, um dos primeiros sinais de dependência é a alteração do sono. Quando a criança troca horas de descanso por horas de jogo, o alerta deve soar.

Com isso, cabe às famílias o monitoramento de perto da rotina e estabelecer limites firmes, além de oferecer alternativas de lazer fora das telas. Se não agirmos agora, o “game over” não será apenas do jogo, mas da própria experiência de ser criança, e não há botão de reinício para recuperar o que foi perdido.

*Sheron Mendes é Bióloga, especialista em Neurociência do Comportamento e professora dos cursos de pós-graduação em Educação na UNINTER.


Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
VALQUIRIA CRISTINA DA SILVA
[email protected]


Notícias Relacionadas »
Comentários »
Comentar

*Ao utilizar o sistema de comentários você está de acordo com a POLÍTICA DE PRIVACIDADE do site https://itaqueraemnoticias.com.br/.