A autoria na era da IA: quem detém o gênio criativo?

*Armando Kolbe Junior

JULIA ESTEVAM
06/10/2025 12h13 - Atualizado há 3 horas

A autoria na era da IA: quem detém o gênio criativo?
Rodrigo Leal

 

A chegada da inteligência artificial generativa revolucionou o cenário artístico e literário, levantando um questionamento tão antigo quanto a própria criação: o que define a autoria? Se uma IA cria um texto, quem é o verdadeiro autor? A máquina, o programador ou o usuário que inseriu o prompt?

No Brasil, investigações recentes revelaram que grandes empresas como Meta e Anthropic usaram obras de autores renomados como Clarice Lispector e Paulo Coelho para treinar seus modelos, obtendo esses livros de bases de dados piratas como a Books3. Essa apropriação silenciosa de nosso patrimônio intelectual nos obriga a confrontar a questão da autoria.

O debate jurídico e filosófico em torno da autoria na IA é mais complexo do que parece. A IA não cria do nada. Ela é alimentada por um vasto oceano de obras humanas, criadas com tempo, talento e investimento, mas utilizadas em larga escala sem a devida autorização ou remuneração.

Mas, respondendo à pergunta inicial: a IA pode ser considerada uma autora? Legalmente, a resposta é um sonoro não. A inteligência artificial, por mais sofisticada que seja, carece de elementos fundamentais que definem a autoria humana: consciência, intenção e originalidade genuína.

Um autor humano é um sujeito de direitos, capaz de expressar sua individualidade, visão de mundo e emoções por meio de sua obra. A IA, por outro lado, é um sistema. Ela gera textos com base em padrões estatísticos e em dados que ela consumiu, mas não tem a capacidade de ter ideias, sentir emoções ou ter uma intenção criativa.

O resultado, é que a IA tende a produzir uma "média" do que ela aprendeu. É uma colagem sofisticada, não uma criação original. Portanto, não é possível considerar a IA como uma autora no sentido legal. Ela é uma ferramenta, um instrumento, como um pincel ou um teclado, que depende de uma mente humana para ser utilizada.

Se a IA não pode ser autora, a responsabilidade recai sobre quem a opera. No entanto, o papel do usuário que insere um prompt também não é simples.

Quando um escritor utiliza a IA para revisar um texto, organizar ideias ou criar um rascunho, ele é, sem dúvida, o autor da obra final. Ele usa a IA como um meio para alcançar seu objetivo criativo, mantendo sua voz e autoria. Nesse cenário, o prompt é um mero comando.

A questão mais complexa surge quando o usuário depende totalmente da IA para criar o conteúdo, inserindo um prompt vago como "faça uma poesia sobre o pôr do sol". O resultado, por mais bem escrito que seja, é uma reprodução de padrões pré-existentes. Não há aqui um processo de coautoria, pois a IA não contribuiu com uma intenção criativa própria. Em vez disso, ela agiu como um "fantasma" que compila e rearranja o trabalho de outros.

A autoria, nesse caso, é controversa. É um dilema que a falta de regulamentação faz com que as empresas de IA violem ao menos cinco leis de direitos autorais por cada obra usada em seus sistemas. O Projeto de Lei 2338/2023, que busca regulamentar a IA no Brasil, e os debates em andamento sobre remuneração de autores são um passo crucial para resolver esse impasse.

A violação de direitos já foi consumada, uma vez que "todas as grandes IAs disponíveis hoje foram treinadas sem autorização dos titulares". A falta de regulamentação permite que a IA se beneficie do trabalho de artistas e escritores sem qualquer pagamento. Sem uma atualização na lei, milhões de reais serão gastos em disputas judiciais, prejudicando a inovação e a segurança jurídica.

O reconhecimento da necessidade de remuneração para os autores, como defendido por entidades como a União Brasileira de Escritores (UBE), não é uma utopia; ele já existe em acordos internacionais.

Proteger os direitos autorais não é frear o desenvolvimento, mas sim garantir que a inovação tecnológica floresça de maneira justa, transparente e sustentável. É essencial que o PL 2338/2023 seja aprovado, garantindo a remuneração de conteúdos protegidos por direitos autorais, para que se crie um ambiente seguro para uma IA ética.

Afinal, a inteligência artificial só existe porque foi nutrida pela criação humana. Proteger os criadores é proteger a própria fonte da inovação.

*Armando Kolbe Junior é Doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela UFSC e Coordenador de Cursos na Uninter.


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