Francisco dos Santos Dias Bloch*
Em 12 de setembro de 2025 o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 1.558.191, fixou tese segundo a qual a Taxa Selic deverá ser aplicada como índice de correção monetária e de juros moratórios, em condenações referentes a débitos judiciais. A Corte entendeu que a Selic incide para a atualização de condenações cíveis em geral, nos termos do artigo 406 do Código Civil.
A questão que se coloca é a seguinte: este entendimento deverá ser aplicado também às diferenças de aluguel exigidas ao final das ações renovatórias de locação, e das ações revisionais de aluguel? A discussão é extremamente relevante, uma vez que a eventual aplicação da Selic a estes créditos pode resultar em aumento extraordinário do passivo de empresas do varejo.
A resposta a este questionamento exige uma análise cautelosa da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, e da situação específica das ações judiciais acima indicadas.
O STF reconheceu, no julgamento do Recurso Extraordinário 1.558.191, que a Selic funciona como índice de correção monetária e também como aplicação de juros moratórios, considerando a natureza desta taxa. E nos termos da redação atual do artigo 406 do Código Civil, alterado pela Lei 14.905/2024, a Selic é aplicável em situações nas quais não exista norma contratual acerca de juros, ou quando os juros resultarem de determinação legal.
Mas o débito referente às diferenças de aluguel nas ações renovatórias e revisionais, embora tenha natureza civil, não se enquadra no entendimento do STF para fins de aplicação de correção monetária e juros.
As diferenças de aluguel, nestas ações locatícias, são baseadas no valor de remuneração pelo uso do imóvel fixado pelo Poder Judiciário, normalmente com fundamento em prova pericial avaliatória, ao longo do processo judicial. O crédito a ser executado pelo locador ou pelo inquilino, portanto, é resultado das diferenças entre as quantias efetivamente pagas ao longo do processo, e o aluguel homologado em sentença judicial.
Ocorre que nem o locador e nem o inquilino sabem, até a decisão final da ação renovatória ou revisional, qual valor de aluguel será estabelecido, especialmente considerando eventuais recursos apresentados pela parte contrária. O montante das diferenças torna-se exigível ao final do processo, com a sentença, pois antes desta etapa do processo é impossível calcular a verba.
E a aplicação de juros moratórios exige a mora, o inadimplemento da obrigação. Mas não existe mora quando não há fato ou omissão imputável ao devedor, nos termos do artigo 396 do Código Civil.
É por este motivo que o Superior Tribunal de Justiça estabelece que a correção monetária incidente sobre as diferenças de aluguel deverá ser aplicada a partir do vencimento de cada parcela, de maneira a preservar o poder de compra da moeda. Mas os juros moratórios só incidem após o trânsito em julgado, a partir do início da fase de cumprimento de sentença (execução judicial) dos valores.
A Taxa Selic, portanto, que inclui juros moratórios e correção monetária, não pode ser aplicada às diferenças de aluguel nas ações judiciais ora destacadas. O entendimento estabelecido pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário 1.558.191 pode ser aplicado a outras condenações de natureza cível, mas não a estes créditos, que são constituídos ao longo de um processo judicial e, antes da decisão final, sequer podem ser calculados pelo locador ou pelo inquilino.
É relevante apontar que o Superior Tribunal de Justiça proferiu recentíssima decisão, em 18 de setembro de 2025 – seis dias, portanto, após a decisão do STF – reiterando seu posicionamento anterior, no sentido que as diferenças de aluguel sofrem a incidência de juros de mora somente ao final das ações renovatórias e revisionais, quando inicia-se a fase de execução. Este entendimento foi apresentado quando do julgamento do Agravo em Recurso Especial 2633587-PR, relatado pela ministra Isabel Gallotti, e confirma a preservação do entendimento anterior do STJ.
Concluímos, assim, que a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal em 12 de setembro de 2025 não muda o entendimento anterior do Superior Tribunal de Justiça. As diferenças de aluguel em ações renovatórias, e também nas ações revisionais de aluguel, devem sofrer correção monetária a partir do vencimento de cada parcela, mas os juros moratórios devem ser aplicados em momento distinto, a partir do início da execução judicial dos valores.
*Francisco dos Santos Dias Bloch é mestre e pós-graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É advogado formado pela PUC/SP, e atua em São Paulo, no escritório Cerveira Advogados Associados (www.cerveiraadvogados.com.br), nas áreas de Direito Imobiliário e Direito Contencioso Cível.
[1] Código Civil: “Art. 396. Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora.”
[1] STJ – Agravo em Recurso Especial n.º 2633587-PR, julgamento 18/09/2025, Relatora Isabel Gallotti: “Ademais, quanto ao mérito da controvérsia sobre o termo inicial dos juros de mora em ações renovatórias, a decisão recorrida está em perfeita consonância com a jurisprudência consolidada desta Corte Superior. (...) A lógica do sistema processual exige que a mora seja constituída sobre obrigação líquida, ou ao menos liquidável de plano, não sendo razoável que o devedor suporte os encargos moratórios sobre valor que depende de complexa atividade probatória (perícia) para sua definição. A circunstância de o valor do aluguel depender de arbitramento judicial (realizado por meio de perícia) inviabiliza a caracterização da mora desde a citação, pois não havia, à época, dívida exigível. Portanto, concluiu-se que os juros moratórios sobre diferenças dos aluguéis são contados da data de intimação para o cumprimento de sentença, por ser este o momento em que se constituiu em mora o devedor. Aludido entendimento está em consonância com a orientação desta Corte, segundo o qual o termo inicial dos juros de mora relativos às diferenças dos aluguéis vencidos será a data para pagamento fixada na própria sentença transitada em julgado (mora ex re) ou a data da intimação do devedor - prevista no art. 523 do CPC - para pagamento no âmbito da fase de cumprimento de sentença (mora ex persona).”