Imagine a cena: uma sala de reuniões com paredes de vidro fosco, um projetor exibindo slides cheios de jargões como "disruptura exponencial", “empresa AI-first” e "ecossistema de inovação", e um CEO solenemente declarando: "Precisamos de um laboratório secreto para sobreviver à crise, repleto de equipes de inovação desenvolvendo novos produtos e soluções centrados na experiência de nosso cliente!". Agora, substitua esse laboratório lindo por um dinossauro de pelúcia bonitinho, colocado no canto da mesma sala. Avalie comparativamente os resultados. Achou o teste imaginário absurdo? Talvez.
Mas, de acordo com dados já notórios de um paper da consultoria McKinsey de antes da pandemia, apesar de para a maioria das empresas mais de um quarto das receitas advir do lançamento de novos produtos e serviços, cerca de 50% dos lançamentos de produtos e inovações fracassam. Pode ser por “falta de alguma tecnologia secreta”, ou por falta de “experimentação com propósito”, ou ainda por “incapacidade em usar as tecnologias do momento” ou mesmo “incompetência das equipes envolvidas”. Mas uma estatística dessas iguala esse esforço às probabilidades de dar cara ou coroa ao se lançar uma moeda.
A verdade é que, em tempos economicamente turbulentos, as empresas insistem em tratar inovação como um ritual mágico, e a buscar nela a “salvação” do resultado: todo mundo fala em "pensar fora da caixa", mas a caixa, no final das contas, ainda está cheia de planilhas e processos ruins e medo de errar. E olha que o investimento em P&D nas grandes empresas já ultrapassa o PIB do Canadá e o de diversos outros países desenvolvidos (mais de U$ 3 trilhões/ano, de acordo com a World Intellectual Property Organization). O que só prova que dinheiro não compra criatividade.
Em um cenário econômico marcado por incertezas e restrições orçamentárias, a retórica corporativa sobre inovação muitas vezes colide com a realidade. Empresas de todos os setores repetem, como um mantra, que a inovação é a chave para a sobrevivência e o crescimento.
Números como esses expõem uma dura verdade: a maioria das organizações não consegue traduzir investimentos em inovação em resultados tangíveis, especialmente em períodos de crise.
Muitas palavras e pouca ação
A raiz do problema está na ausência de uma cultura de experimentação genuína. Em tempos economicamente desafiadores, as empresas tendem a priorizar a estabilidade sobre o risco, reduzindo iniciativas exploratórias em favor de operações consolidadas. Esse comportamento, embora compreensível, ignora um paradoxo crítico: crises são justamente os momentos em que a experimentação estratégica pode gerar vantagens competitivas duradouras.
A McKinsey, nesse mesmo paper de 2017, destaca que empresas que equilibram a inovação com a manutenção de competências essenciais crescem até 30% mais rápido do que seus pares. O desafio, portanto, não é abandonar a inovação, mas implementá-la de forma mais inteligente e adaptada ao contexto. E essa informação já é de conhecimento público por todo esse tempo, o que faz refletir sobre o quanto somos de fato permeáveis (ou não) a implementar e adotar novas culturas e formatos de trabalho.
Um exemplo emblemático dessa dinâmica vem do setor automotivo. A Fiat, quando decidiu lançar o modelo 500 ao mercado há cerca de 10 anos, enfrentava a percepção de que seus carros eram meramente "funcionais". Em vez de depender de campanhas publicitárias tradicionais, a empresa envolveu clientes no processo de design do interior do veículo. O objetivo não era coletar sugestões técnicas — havia pouca flexibilidade para alterações —, mas gerar conversas que associassem o produto ao conceito de "estilo". Essa estratégia, baseada em insights comportamentais, exigiu que a equipe de lançamento participasse desde as fases iniciais de desenvolvimento, integrando marketing e engenharia. O resultado foi um reposicionamento bem-sucedido da marca, com o modelo se tornando um ícone de design. Porém, por que práticas como essa ainda são cases corporativos de exceção, e não a regra? Isso, em um mercado radicalmente alterado pela dinâmica dos elétricos, híbridos, fabricantes chineses, novas regulamentações de emissões e poluentes, mudança do perfil das famílias etc. etc. etc.
A lição aqui vai além da criatividade: trata-se de alinhar experimentação com processos estruturados. A McKinsey identifica quatro capacidades críticas para lançamentos bem-sucedidos, igualmente relevantes para uma cultura de experimentação:
Use e abuse da inteligência artificial
A ascensão da inteligência artificial (IA) oferece um campo fértil para aplicar esses princípios. Empresas como a Netflix já utilizam há tempos algoritmos de machine learning para testar variações de interfaces com usuários em tempo real, identificando padrões de engajamento sem comprometer a experiência global. No varejo, plataformas de IA permitem simular cenários de demanda para novos produtos, reduzindo o risco de excesso de estoque ou subprodução. Um caso notável é o da Unilever, que emprega ferramentas de análise preditiva para identificar microtendências em redes sociais, adaptando campanhas regionais em questão de horas — um processo que antes levaria semanas. E agora, empoderadas pelas habilidades de diálogo e interação da onipresente IA generativa.
No entanto, a adoção de IA ainda esbarra em desafios culturais, na realização de pilotos pequenos e de baixo impacto ounas velhas frases “isso não serve para a minha empresa”, ou “isso é coisa de startup”, e, pior ainda “somos uma empresa X e não uma empresa de tecnologia”. Desse modo, ignora-se completamente o poder que a IA tem de ajudar em todos os processos de desenvolvimento da empresa, apesar do hype do momento e do assunto estar presente em 100 de cada 100 conversas sobre negócios.
No outro extremo, muitas organizações tratam a tecnologia como uma solução mágica, ignorando a necessidade de integrar ferramentas digitais a processos humanos. A chave está em combinar automação com experimentação iterativa. Por exemplo, uma montadora, ao lançar um carro para famílias jovens, pode descobrir — por meio de análise de dados — que seu público-alvo consome mais conteúdo em sites específicos ou nas redes sociais do que em TV ou jornais. Então, redirecionar o orçamento para plataformas digitais e incluir assentos infantis em veículos expostos em shoppings pode, quem sabe, gerar um aumento mensurável em intenção real de compra e conversões. Esse exemplo hipotético ilustra como a experimentação baseada em dados poderia otimizar recursos escassos mesmo em ações comerciais do dia a dia, algo vital em contextos econômicos adversos.
Para empresas que desejam construir uma cultura de experimentação resiliente, três ações são prioritárias:
A realidade é que inovar em tempos difíceis não é sobre gastar mais, mas sobre gastar melhor. Como demonstra há anos este estudo da McKinsey, empresas que dominam capacidades específicas — desde colaboração até análise preditiva — conseguem transformar incertezas em oportunidades. Em um mundo onde 85% das compras domésticas nos EUA se concentram em apenas 150 produtos, conforme o Harvard Business Review, a diferença entre sobreviver e prosperar está na capacidade de experimentar, aprender e adaptar-se — rapidamente e com propósito.
Contudo, caso você não esteja disposto a liderar essa transformação e queira um caminho mais confortável, recomendo fortemente substituir os investimentos no lab de inovação pela compra de um dinossauro de pelúcia bem bonitinho, na próxima vez em que se sugerir a criação de um time de inovação para salvar o futuro da empresa. Os resultados provavelmente serão parecidos ao final do dia, e o saving poderá ser certamente melhor empregado.
*Fernando Moulin é partner da Sponsorb, empresa boutique de business performance, professor e especialista em negócios, transformação digital e experiência do cliente e coautor dos best-sellers "Inquietos por Natureza", "Você Brilha Quando Vive sua Verdade" e “Foras da curva” (todos da Editora Gente) E-mail: [email protected].
Sobre Fernando Moulin
Fernando Moulin é CEO da Polaris, consultoria estratégica que atua como bússola organizacional em tempos de incerteza, apoiando líderes e empresas a transformar complexidade em vantagem competitiva.
Nascido em 1976, na cidade de Volta Redonda (RJ), ele é um dos principais especialistas brasileiros em transformação digital, inovação e gestão da experiência do cliente, além de ser um dos pioneiros do Marketing Digital/CRM no país. Graduado em Engenharia Química pela Unicamp, possui MBA Executivo Internacional pela FIA-USP e realizou cursos de marketing e negócios em diversas instituições internacionais, como Kellogg/NorthWestern (Estados Unidos), INSEAD (França), Cambridge (Reino Unido) e Lingnan University (China).
Eleito em 2022 para o Hall of Fame da Associação Brasileira de Dados (ABEMD), tem mais de 25 anos de experiência e passagens executivas em funções de liderança em grandes organizações, como Telefônica/Vivo, Cyrela, Nokia, Pão de Açúcar, Claro, Citibank, entre outras. Cofundador da Malbec Angels, mentor de startups e advisor estratégico, também é palestrante profissional e professor de disciplinas ligadas a suas áreas de expertise em instituições como ESPM, INSPER e Live University, além de ser colunista de diversos veículos importantes de mídia, jurado de premiações de mercado e partner da Sponsorb, empresa boutique de business performance.
Fernando também é coautor das obras coletivas best-sellers "Inquietos por natureza", organizada por João Kepler, "Você brilha quando vive sua verdade: transformando fragilidades em fortalezas", organizada por Eduardo Shinyashiki e Kareemi e “Foras da curva: construa resultados que falam por si próprios”, organizada por Luiz Fernando Garcia, todas publicadas pela Editora Gente.
Para mais informações, acesse: www.fernandomoulin.com.br, www.linkedin.com/in/fernandomoulin/ ou veja a palestra no TEDxSP: https://www.youtube.com/watch?v=6tUJuZopcsA
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