A ciência que enxerga além: realidade virtual e precisão nos diagnósticos cognitivos

JúLIA BOZZETTO
27/08/2025 10h53 - Atualizado há 8 horas

A ciência que enxerga além: realidade virtual e precisão nos diagnósticos cognitivos
Divulgação/Potência
 

*Silvia Kelly Bosi

A prática clínica em neuropsicologia vive um ponto de inflexão. O avanço das tecnologias cognitivas baseadas em realidade virtual vem transformando a forma como avaliamos o funcionamento do cérebro humano, substituindo modelos tradicionais por abordagens mais precisas, com maior validade ecológica e respaldo científico. A partir de setembro, o estado do Rio de Janeiro passa a integrar o seleto grupo de regiões brasileiras que utilizam a tecnologia da Nesplora — uma plataforma baseada em óculos 4K e sensores de movimento, desenvolvida na Espanha e presente em mais de 30 países.

A Nesplora representa uma convergência entre ciência de ponta e aplicação prática. Trata-se de uma solução validada por mais de 600 publicações científicas, com alto grau de confiabilidade psicométrica, construída com base em parâmetros internacionais para avaliação de funções cognitivas em contextos clínicos, educacionais e forenses. Essa tecnologia permite analisar, de maneira simultânea, aspectos como atenção sustentada e seletiva, impulsividade, memória de trabalho, atividade motora e funções executivas, em pacientes de diferentes faixas etárias.

O diferencial está na metodologia. Os testes são realizados em ambientes virtuais imersivos que simulam contextos reais do cotidiano — como uma sala de aula, um supermercado ou um aquário — enquanto o desempenho do paciente é monitorado em tempo real por meio de sensores integrados. Isso reduz significativamente o viés do avaliador, melhora o engajamento da pessoa avaliada e gera dados objetivos que subsidiam decisões clínicas, escolares e familiares. O conceito de validade ecológica, fundamental nesse processo, permite que os resultados da avaliação reflitam mais fielmente os comportamentos que o sujeito apresenta fora do consultório.

Entre os protocolos disponíveis, o AULA e o AULA SCHOOL são voltados à detecção de TDAH e avaliação de perfil atencional em crianças e adolescentes. O SORVETE analisa funções executivas como planejamento, flexibilidade cognitiva e velocidade de processamento. O SUÍTE investiga diferentes dimensões da memória — imediata, de longo prazo e prospectiva — sendo indicado para rastreio de demências. Já o AQUÁRIO é voltado ao público adulto e útil na análise de quadros de ansiedade, estresse, depressão e lesões cognitivas.

Todos esses instrumentos são registrados como dispositivos médicos, com aplicação rápida (em média, entre 18 e 30 minutos), geração instantânea de relatórios visuais e interface acessível ao profissional. Os dados normativos são sólidos, com amostras representativas e índices de confiabilidade superiores a 0,9 em diversas escalas, conforme os testes de validação cruzada com instrumentos clássicos como D2, Conners CPT, EDAH e DSM.

Além da robustez técnica, a realidade virtual introduz um paradigma mais inclusivo ao tornar a avaliação mais dinâmica e adaptada ao perfil do paciente. Crianças com dificuldades de comportamento, adultos com transtornos do humor e idosos em avaliação de comprometimento cognitivo se beneficiam de um processo mais fluido, sensorialmente rico e, principalmente, mais próximo das demandas da vida cotidiana.

A adoção dessa tecnologia no Brasil marca um avanço significativo na forma como tratamos as questões de desenvolvimento, aprendizagem e saúde mental. Ela não substitui a escuta clínica nem o olhar humano, mas amplia os recursos diagnósticos disponíveis para que possamos intervir de forma mais assertiva, precoce e efetiva.

É fundamental que os avanços científicos não fiquem restritos a centros de excelência, mas sejam gradualmente integrados à rede assistencial e aos serviços que atendem populações em situação de vulnerabilidade. Democratizar o acesso à tecnologia é parte de um compromisso ético com a equidade e com a transformação estrutural da saúde e da educação no país.

A neuropsicologia do século XXI precisa dialogar com a inovação — não como modismo, mas como resposta concreta às limitações dos modelos tradicionais. A realidade virtual, nesse contexto, não é apenas uma nova ferramenta: é um novo olhar sobre o funcionamento humano.

*Silvia Kelly Bosi é neuropsicopedagoga, cientista da educação, especialista em desenvolvimento infantil e autismo, palestrante e CEO da Potência – Clínica de Desenvolvimento Infantil. Também é mãe atípica e defensora da inclusão como caminho para uma sociedade mais justa e inteligente.

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