“Por que meu filho ainda não fala?”: os sinais que os pais costumam ignorar

Fonoaudióloga que viveu o atraso de fala com o próprio filho alerta sobre os marcos do desenvolvimento e a importância da intervenção precoce

JúLIA BOZZETTO
07/08/2025 19h02 - Atualizado há 23 horas

“Por que meu filho ainda não fala?”: os sinais que os pais costumam ignorar
Divulgação

“Ele vai falar quando quiser.” “Cada criança tem seu tempo.” “É só preguiça de falar.” Essas frases, embora muito comuns entre familiares e até alguns profissionais, podem esconder um problema sério: o atraso no desenvolvimento da fala. Ignorar os sinais pode levar a um diagnóstico tardio e dificultar o progresso da criança em áreas como aprendizagem, socialização e comportamento.

A fonoaudióloga Angelika dos Santos Scheifer, especialista em atraso de fala infantil, conhece essa realidade de forma íntima. Mesmo já tendo como foco de estudo e atuação clínica o atraso na fala infantil, ela passou pela experiência pessoal com o filho mais velho, Arthur. 

“Ele demorou para imitar, dar tchau, se comunicar de forma organizada para falar. Foi aí que comprovei na prática que as estratégias de consultório não funcionam na relação entre mãe e filho. Demorei para entender que eu não poderia ser a fono dele. Aquilo me acendeu um alerta e, ao buscar respostas, acabei me apaixonando pelo preparo dos pais para lidar com o atraso na fala dos filhos e me dedicando a ajudar outras famílias que passam pelo mesmo desafio”, conta.

Como os pais devem observar os marcos

Segundo Angelika, inclusive a forma como os marcos são observados, muda de pais para profissionais, afinal, ao se falar de família falta o olhar técnico para perceber nuances desse desenvolvimento. Um bom guia para os pais é:

  • 0 a 6 meses: a criança já é capaz de olhar para os pais, responder com sorrisos e expressões às interações iniciadas pelo adulto, acompanha com o olhar pessoas e brinquedos do seu interesse.
     
  • 6 a 12 meses: passa a ter produção intencional de balbucios, os usa para chamar atenção e para interagir com o adulto. Nesse intervalo inicia e se consolida a imitação motora, é capaz de imitar movimentos, principalmente de membros como levantar braços, dar tchau, bater palma, consegue executar esses movimentos tanto sob pedido dos pais quanto faz a tomada de iniciativa de usá-los em situações de comunicação.
     
  • 12 a 18 meses: iniciam as primeiras palavras, que muitas vezes são produções sonoras simples, como “aba” para “água”, “ma” para “mamãe”, mas mesmo simples são constantes e funcionais, a criança tanto as faz sob pedido dos pais quanto toma iniciativa de produzi-los sozinha. Falam palavras do dia-a-dia.
     
  • 18 a 24 meses: começa o “boom” de vocabulário, agora sim a criança começa a ser capaz de falar mais do que o apenas necessários para pedidos básicos (chamar os pais, água, comida - “mamam” ou “papa”, brinquedo que mais gosta) e passa a conseguir falar o nome de vários brinquedos, animais, alimentos, familiares, lugares que gosta de ir, coisas que gosta de fazer. Importante nesta faixa etária é ser uma criança muito comunicativa, que se coloca, expressa o que deseja, mesmo que essa fala seja de produção articulatória simples e que ainda aconteça com palavras isoladas.
     
  • 2 a 3 anos: Aos 2 anos iniciam as frases simples (junção de duas palavras), após isso a evolução vem principalmente a nível de função, a criança passa a falar para compartilhar interesses e não apenas para pedir coisas e ações, essa mudança faz com que as frases fiquem maiores, a criança começe a fazer pequenos relatos e sustentar pequenas conversas.
     
  • Após 3 anos: a fala deve ser compreensível mesmo para pessoas que não convivem diariamente com a criança, não é possível contar palavras ou tamanho de frases, pois espera-se uma criança que fala tudo que precisa e deseja, que logicamente fala errado e tem assuntos infantis, mas conversa bastante. Aos 5 anos finaliza a aquisição dos sons da fala e passamos a ter uma criança que fala tudo corretamente.
     

Quando esses marcos não são atingidos, o ideal é procurar uma avaliação fonoaudiológica. “A fala não surge do nada. Ela depende de uma sequência de evoluções de base linguística, cognitiva, motora, auditiva e social. O atraso no desenvolvimento de uma habilidade ocasionará o atraso de todas as seguintes, por isso ignorar os sinais atrasa não só a comunicação, mas todo o desenvolvimento global da criança”, explica a especialista.

Sinais de alerta que costumam passar despercebidos

Muitos pais acreditam que o atraso de fala se resume à ausência de palavras, mas Angelika aponta que os primeiros sinais geralmente aparecem bem antes disso — e muitas vezes são sutis. Veja alguns deles:

  • A criança não interage com olhar e sorriso antes dos 6 meses.
  • Falta de contato visual ou de interesse em interações sociais.
  • Não reage ao próprio nome.
  • Não faz pedidos usando movimentos até os 12 meses (apontar ou jogar corpo e braços em direção a alguém ou alguma coisa como sinal de pedido).
  • Dificuldade em imitar gestos simples, como bater palmas ou dar tchau.
  • Pouco interesse por brinquedos, dificuldade para sentar e ficar na brincadeira, mesmo que ainda puramente motora (empilhar, tentar encaixar, bater teclas de pianos, etc).
  • Uso excessivo de gestos ou sinais para se comunicar, sem esforço para verbalizar.
  • Pouco interesse por brincadeiras simbólicas (ex: fingir que dá comida para um boneco).
  • Ecolalia persistente (repetir sons, frases ou palavras sem contextualização).
  • Frustração ou crises constantes por não conseguir se expressar.
     

“Esses comportamentos não devem ser encarados como ‘frescuras’ ou características de personalidade. São sinais de que a linguagem e a comunicação não estão se desenvolvendo como deveriam”, afirma Angelika.

Intervenção precoce muda vidas

A especialista reforça que quanto mais cedo ocorre a intervenção, melhores são os resultados. “Além da janela de desenvolvimento neurobiológico na infância que precisa ser bem aproveitada, precisamos evitar o acúmulo de habilidades atrasadas, quanto antes começarmos o estímulo adequado antes essa criança passa a acompanhar o desenvolvimento esperado para a idade. Crianças atendidas antes dos 3 anos tendem a ter ganhos muito mais significativos e a permanecer menos tempo em suporte fonoaudiológico”, explica. 

Por isso, Angelika usa também suas redes sociais, onde reúne mais de 45 mil seguidores, como ferramenta de educação e acolhimento. “Minha missão é informar e empoderar famílias para promover o melhor desenvolvimento de fala nas crianças. Nenhuma mãe precisa se sentir culpada ou sozinha. Mas é essencial que elas tenham acesso às informações corretas para agir da forma e no tempo certo.”

A orientação da fonoaudióloga é clara: quando há dúvida, é melhor investigar do que esperar. “Não existe prejuízo em avaliar uma criança que está se desenvolvendo normalmente. Mas esperar demais por um ‘milagre da fala’ pode atrasar a intervenção e comprometer habilidades fundamentais”, finaliza.


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JÚLIA KLAUS BOZZETTO
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