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Mayra Vieira Dias* Nos bastidores da crise provocada pela fraude da B&G Cred, o que se revela não é apenas um esquema financeiro fraudulento, mas a dor de centenas de famílias que acreditaram em promessas de um futuro melhor. Pessoas que buscaram um investimento digno, muitas vezes com as economias de uma vida inteira, e encontraram frustração, medo e silêncio.
Criada em 2015 como correspondente bancária, a B&G Cred rapidamente passou a operar fora das regras: oferecia ganhos irreais com base em supostos fundos de alto rendimento, criptomoedas e aplicações milagrosas. Com o tempo, o que parecia uma oportunidade revelou-se uma armadilha. O modelo escondia, na verdade, um esquema de pirâmide financeira, também conhecido como esquema Ponzi, que movimentou de forma irregular mais de R$ 75 milhões.
Assim que se configurou a fraude financeira, deu-se início a jornada para a Justiça. Em novembro de 2021, o Ministério Público do Estado de São Paulo deu o primeiro passo institucional: ajuizou uma Ação Civil Pública com o objetivo de responsabilizar os envolvidos e buscar a restituição dos valores às vítimas. Parte importante desse caminho foi a homologação de acordos com alguns dos réus, que entregaram bens e valores em troca da extinção do processo criminal. Esses acordos foram definitivos: transitaram em julgado, representando um importante avanço na direção da reparação.
No entanto, o tempo passou, e as vítimas continuavam sem resposta. Os valores estavam apreendidos, mas sem destinação prática. Foi nesse momento que o Ministério Público procurou uma solução: indicou o Instituto de Proteção e Gestão do Empreendedorismo (IPGE) como entidade legítima para dar andamento à execução coletiva da sentença. A proposta era simples e justa: transformar os bens apreendidos em pagamentos reais às vítimas.
Na ocasião, uma nota pública emitida pelo Promotor de Justiça Dr. Pedro Enos foi um divisor de águas. Ao orientar que as vítimas se organizassem e buscassem apoio jurídico — inclusive junto ao IPGE —, muitos romperam o silêncio, se reuniram em grupos de WhatsApp, buscaram advogados, e finalmente sentiram que alguém estava olhando por eles.
A ação coletiva proposta pelo IPGE em 2024 representou cerca de 250 pessoas, cada uma com sua própria história de perda, mas unidas por uma dor comum e a esperança compartilhada de serem ouvidas. Não foi fácil o trajeto percorrido. Em primeira instância, o juiz rejeitou a execução coletiva, alegando que a entidade não teria legitimidade e que os acordos ainda dependeriam do fim da ação civil pública. Ainda pior, impôs ao IPGE uma multa por litigância de má-fé, como se agir em nome de vítimas fosse um abuso, não uma necessidade. Foi, então, um momento de reviver a injustiça, agora dentro do próprio sistema judicial.
A entidade representativa de dezenas de vítimas, então, recorreu da decisão, com a representação do escritório Calazans & Vieira Dias. No Tribunal de Justiça, a advogada Dra. Mayra Vieira Dias, que acompanha de perto cada história, fez questão de estar presente na sessão de julgamento para realizar sustentação oral e dar voz àqueles que nunca foram ouvidos nos tribunais. O recurso sustentava que os acordos homologados têm força de sentença definitiva, e que o IPGE atua com amparo legal, legitimidade social e impulso institucional do próprio Ministério Público. E, acima de tudo, sustentava que não havia má-fé em tentar cumprir a lei e fazer justiça por aqueles que foram lesados.
No dia 24 de junho de 2025, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP, tendo como relator o desembargador Dr. Sérgio Shimura deu o claro recado claro de que a Justiça precisa olhar para as vítimas. Em decisão unânime, os desembargadores reconheceram não apenas a legitimidade plena do IPGE para representar os consumidores lesados, como também que os acordos homologados podem sim ser executados de forma coletiva. Mais além, os desembargadores afirmaram que a execução coletiva evita a sobrecarga do Judiciário e acelera o ressarcimento; e que não houve má-fé, mas sim boa-fé e coragem institucional para agir.
A multa foi afastada. A legitimidade foi reconhecida. As vítimas, enfim, tiveram sua dor validada, abrindo um novo capítulo nessa busca pelo ressarcimento. Com essa decisão, abre-se a porta para que os valores e bens apreendidos — muitos deles imóveis, carros e contas bancárias — e sejam revertidos em pagamentos reais às vítimas. Ainda será necessário aguardar o retorno do processo à primeira instância, mas o caminho está pavimentado.
O IPGE poderá incluir novas vítimas na execução coletiva ou ainda orientar que outras pessoas ingressem com suas ações individuais. O mais importante, agora, é que cada vítima se mantenha informada pelos canais oficiais e busque apoio jurídico responsável.
O caso da B&G Cred ensina que fraude financeira não é apenas um crime contra o patrimônio, mas contra a dignidade humana. E que, para haver justiça de verdade, é preciso mais do que leis. É preciso empatia, escuta ativa e coragem institucional.
A atuação conjunta do Ministério Público, do IPGE e da advocacia privada mostra que, sim, é possível transformar um cenário de engano e abandono em um caminho de reconstrução coletiva. A Justiça, assim, quando olha para as vítimas, também se reconstrói.
*Mayra Vieira Dias é advogada, sócia do escritório Calazans e Vieira Dias, especialista na defesa de vítimas de fraudes financeiras e atua no IPGE, organização dedicada à proteção de investidores e consumidores lesados por práticas fraudulentas no mercado financeiro Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
CAIO FERREIRA PRATES
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