Destaque na Flip, cearense Maurício Mendes lança “O homem não foi feito para ser feliz”, romance que disseca contradições da ascensão social
Publicado pela editora Mondru, obra confronta os impasses de um médico pardo em meio à hipocrisia, ao racismo e à falência dos afetos; romance em primeira pessoa questiona a masculinidade, a mercantilização da saúde e o mito da felicidade
ANA FERRARI DA COM.TATO
15/07/2025 17h25 - Atualizado há 10 horas
Mondru
“Através de um personagem falho e misógino, Maurício Mendes reflete muito sobre a relação homem-mulher e as utopias dos relacionamentos. Pautas tão em voga quanto emancipação feminina e racismo são tratadas de maneira original e mordaz, com um excelente apoio de grandes obras da literatura.” — Santiago Nazarian, na blurb do livro “Com pena firme Mauricio Mendes entra na cabeça de um médico pardo celibatário convicto, atormentado pelas suas próprias certezas. Sua sagacidade e passagens filosóficas impressionam em meio a uma prosa rápida, envolvente e sagaz, desfilando em temas pontiagudos como misoginia, racismo, prostituição e ética médica. Um romance agridoce e inteligente que não consegui largar por um segundo.” — Natércia Pontes, na blurb do livro A estreia literária de Maurício Mendes, médico nuclear cearense, confronta o leitor com as tensões emocionais e sociais de um protagonista pardo que ascende socialmente, mas carrega feridas que não se apagam com títulos ou prestígio. Em “O homem não foi feito para ser feliz” (Mondru, 184 págs.), o autor narra, em primeira pessoa, a jornada de Germano, da formação em Medicina ao exercício da profissão, passando por amores fracassados, relações mal resolvidas e um profundo sentimento de inadequação. A obra conta com textos de prefácio e blurb assinados pelo escritor Santiago Nazarian, segundo blurb por Evelyn Blaut, escritora, crítica literária e diretora do Centro Cultural Astrolabio e terceiro blurb da escritora Natércia Pontes. O livro será lançado durante a Flip 2025 no dia 2/8, às 17h, no estande da editora, e tem eventos previstos em seguida para ocorrerem em Fortaleza, cidade natal do autor. A obra também será lida pelos clubes do projeto Leituras Paralelas e no Clube de Leitura do BNB, ambos de Fortaleza/CE, em maio de 2026. Com estrutura fragmentada e não linear, o romance se desenrola entre o passado e o presente do personagem. “Optei por uma estrutura fragmentada e não linear, entrelaçando flashbacks e conduzindo a narrativa por meio de um narrador-personagem falho e contraditório. Ele se expressa através de depoimentos, diálogos e metáforas, explorando elisões, fluxo de consciência e passagens oníricas.” O estilo do autor é definido por ele como “contemporâneo, irônico, reflexivo, ácido e, paradoxalmente, sensível”. Ao construir um personagem que rejeita idealizações, Maurício instiga o leitor a encarar de frente suas contradições: Germano não é herói nem vilão, apenas um reflexo da complexidade humana em tempos sombrios. “Sim, trata-se de um romance com forte crítica social, mas não se reduz a isso. Sim, flerta com o sentido e a utilidade da existência, mas vai além. Sim, expõe as entranhas da fragilidade e da misoginia do homem moderno, mas não se resume a essa questão. E claro, é também, uma história de amor, mas nunca apenas isso.” Ao tratar de temas como solidão, racismo, inadequação, masculinidade, desumanização, mercantilização da saúde, misoginia e falência dos relacionamentos, o autor ressalta que essas escolhas não foram planejadas. “Não acho que a escolha dos temas de um escritor seja um processo consciente e desconfio dos escritores que justificam suas preferências como se fossem decisões deliberadas. O que acontece é que essas escolhas surgem do inconsciente e o que o escritor faz é procurar, na própria trajetória, uma explicação lógica que dê sentido ao que escreve – uma justificativa que pareça coerente. Mas a vida, por si só, não faz sentido. E essa é justamente a grande missão da literatura: dar sentido onde não há nenhum. No meu caso, escrevo sobre temas que me são próximos, como a questão racial e a mercantilização da saúde, ou outros, tão distantes de mim que me causam assombro e fascínio.” A escrita do romance foi impulsionada por um episódio durante a pandemia, quando Maurício precisou reorganizar o espaço da clínica onde trabalha. “Eu escrevo projetos de romance desde muito jovem. Sempre foi o que eu queria fazer e nunca escondi esse desejo – de me tornar um ficcionista –, das pessoas próximas a mim. Eu escrevia à mão e guardava tudo em caixas junto a uma estante apinhada de livros. Na época da pandemia, precisei remover essas caixas que estavam na clínica onde trabalho e me deparei com vários projetos de romances inacabados. Tive medo que tudo terminasse ali e essas histórias nunca pudessem ser lidas. Foi o evento catalisador para, enfim, dedicar-me a concluir meus projetos literários: o medo do esquecimento.” O processo levou três anos. “Levei três anos de trabalho de escrita e reescrita para terminar O homem não foi feito para ser feliz. Na verdade, levei três anos para entregá-lo à editora. Ele ainda continua vivo e em movimento contínuo na minha cabeça.” O autor também rejeita uma ideia de transformação pessoal grandiosa por meio da literatura, embora reconheça o impacto da escrita. “Quanto a essa pergunta, não vejo muito sentido porque tudo o que fazemos e o que não fazemos nos afeta, tudo nos transforma, escrever ou não escrever nos transforma.” Literatura como dissecção da realidade: conheça a trajetória de Maurício Mendes Nascido em Fortaleza, Maurício Mendes viveu parte da infância no interior do Ceará e do Maranhão, e morou dos 10 aos 23 anos em São Luís (MA). Depois de um período em Belo Horizonte, onde cursou residência médica, voltou a viver em Fortaleza, onde está até hoje. É formado em Medicina pela UFMA (1993), especialista em Medicina Nuclear pelo Hospital Felício Rocho (1999), com fellowship em PET-CT pela Universidade de Zurique (2011). Com forte repertório literário, fruto de anos como leitor e divulgador cultural, Maurício também lidera um clube presencial de leitura e mantém uma página no Instagram para divulgação de novos talentos. “O trabalho do escritor é, antes de tudo, leitura — sem repertório e sem o assombro que o acompanha, não há como começar.” Entre as influências que permeiam sua obra estão Cortázar, Philip Roth, Paul Auster, Michel Houellebecq, J. M. Coetzee, e poetas como Auden, Yeats, T. S. Eliot, Anna Akhmatova, Louise Glück, Sophia de Mello e o maranhense Nauro Machado. Com olhar crítico sobre o meio médico e o comportamento masculino, Maurício destaca temas de sua trajetória que pretende discutir mais amplamente. “A inadequação e a solidão do negro escolarizado que ascende socialmente. A perplexidade do ‘macho contemporâneo’ na sua jornada de desconstrução frente ao novo mundo de protagonismo feminino. A desumanização cada vez maior dos serviços de saúde. O progressivo deslocamento da classe médica para a direita do espectro político.” Confira um trecho do livro:
“Para quem não é branco, não há alternativa, quem se importa com o avesso da pele? Com o que está além da superfície? O importante é a casca, o mundo das aparências, o acúmulo de patrimônio até o ponto da ecdise, adornando o corpo com notas de dinheiro para se camuflar dos cães farejadores, vigilantes da mobilidade social. É assim, como um espantalho, que um negro pode se libertar. E talvez eu tenha escapado dessa maneira, despercebido entre meus amigos brancos. Fugindo da angústia que me perseguia desde a morte de Josiane, que me espreitava, e, depois de um tempo, deixei de notá-la, como um sotaque peculiar que pouco a pouco nos acostumamos a ouvir e, de repente, nem mais percebemos. Comecei a questionar se essas pessoas, pessoas brancas, tinham perdido o sotaque, ou se eu que havia adotado o delas. Eu não reconhecia mais minha própria voz.”
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ANA LAURA FERRARI DE AZEVEDO
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