Debate sobre pesca da Tainha reacende impasse entre sustentabilidade e interesses regionais

Presidente do Conepe defende modelo de alocação de cotas como avanço técnico e alerta para riscos de retrocesso em políticas públicas

PEDRO SENGER
08/07/2025 22h15 - Atualizado há 2 dias

Debate sobre pesca da Tainha reacende impasse entre sustentabilidade e interesses regionais
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O futuro da pesca da tainha, uma das mais tradicionais do Sul do Brasil, voltou ao centro das atenções após uma série de embates políticos e judiciais envolvendo a adoção de cotas por modalidade de captura. Em vigor nesta safra de 2025, a nova regra determina limites para diferentes técnicas de pesca — como emalhe anilhado, cerco industrial, arrasto de praia e emalhe de superfície —, assim como para as capturas dentro do Estuário da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, com base nos históricos de captura. A medida, no entanto, vem sendo contestada por parlamentares, governos estaduais e representantes de setores específicos da pesca artesanal, incluindo, surpreendentemente, uma universidade no RS.

Na avaliação do Conepe — Coletivo Nacional da Pesca e Aquicultura —, o momento exige equilíbrio e responsabilidade. O presidente da entidade, Carlos Eduardo Villaça, conhecido como Cadu, considera que a gestão por cotas representa um avanço inédito na política pesqueira brasileira e deve ser aprimorada, não descartada.

"A pesca da tainha é a primeira no Brasil a experimentar esse modelo de gestão por limite de captura alocado em cotas por modalidades e regiões. É um processo complexo, que exige ciência, conhecimento e humildade para lidar com as incertezas do ambiente marinho. Retroceder seria desconsiderar anos de construção coletiva e técnica em nome de interesses localizados", afirma.

Com forte presença no litoral catarinense e gaúcho, a pesca da tainha carrega valor cultural, econômico e simbólico. Em 2018, a prática associada aos botos em Laguna foi reconhecida como Patrimônio Imaterial de Santa Catarina, seguida, em 2019, pelo arrasto de praia no Campeche. As pescarias envolvem conhecimento tradicional, organização comunitária e conexão com o ciclo natural da espécie, que migra ao longo da costa sul entre maio e julho.

Até 2024, apenas duas modalidades estavam submetidas a cotas específicas: o emalhe anilhado e o cerco industrial. As demais — como o emalhe de superfície, o arrasto de praia e as pescarias no estuário da Lagoa dos Patos — operavam com base em estimativas genéricas, que deixavam lacunas na gestão do recurso. A Portaria Interministerial MPA/MMA nº 26/2025 corrigiu esse desequilíbrio ao definir cotas específicas para todas as principais modalidades de captura, com exceção da pesca recreativa, da tarrafa e de regiões fora do eixo central de produção, como os litorais do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro.

"A novidade deste ano foi trazer todas as modalidades para dentro do mesmo sistema de controle. Isso é justo e necessário. Todos passam a ter responsabilidade sobre o estoque e deixam de depender de projeções imprecisas. É um passo importante rumo a uma gestão moderna, transparente e técnica", pontua Villaça.

Cadu também ressalta que a gestão pesqueira não pode se limitar a uma perspectiva estadual ou setorial. A tainha é um recurso compartilhado, cuja migração ocorre ao longo de centenas de quilômetros, incluindo águas internacionais. "Precisamos parar de tratar o recurso como patrimônio de um grupo ou de um estado. A tainha pertence a todos. A polarização política enfraquece o debate e afasta o foco do que realmente importa: garantir o peixe no mar, agora e no futuro", reforça o presidente do Conepe.

A entidade defende que os próximos passos devem incluir mais investimento em ciência e monitoramento, estímulo à adesão às regras não só por meio de fiscalização e sanções, mas também por orientação, extensionismo e fortalecimento do enfoque ecossistêmico, com valoração da biomassa — e, nesse contexto, uma maior participação da pesca industrial no limite de captura. Para Cadu, o desafio está em transformar a tainha em exemplo de boa governança e cooperação, em vez de palco de disputas e retrocessos.

 



 

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