Empreender por escolha ou sobrevivência? O desafio das mulheres negras no Brasil

Com pouca segurança financeira, a maioria das mulheres negras recorre ao empreendedorismo sem os recursos necessários para consolidar seus negócios

LITIANE DE OLIVEIRA
18/06/2025 13h55 - Atualizado há 11 horas

Empreender por escolha ou sobrevivência? O desafio das mulheres negras no Brasil
Dilvulgação

O empreendedorismo tem sido um caminho recorrente para mulheres negras no Brasil há décadas, não apenas por escolha, mas por necessidade. O boletim do Dieese sobre a população negra no mercado de trabalho, referente ao segundo semestre de 2024, aponta que 8% da taxa de desocupação no Brasil é composta por pessoas negras, enquanto 5% são brancos. Entre as mulheres negras, a taxa de desocupação era de 10,1%, mais do que o dobro da taxa entre homens não negros (4,6%). O levantamento do Dieese usa dados da Pnad Contínua.

A concentração da população negra em ocupações de menor remuneração é um dos fatores que explicam a disparidade de renda entre negros e brancos. No segundo trimestre de 2024, o rendimento médio de trabalhadores negros foi de R$ 2.392, um valor 40% menor que a média dos demais profissionais, que atingiu R$ 4.008. Para as mulheres negras, a desigualdade é ainda mais acentuada porque a interseção entre discriminação racial e de gênero amplia as barreiras no acesso a melhores oportunidades, inclusive no empreendedorismo. O rendimento médio para elas foi de R$ 2.079, menos da metade do que receberam os homens brancos (R$ 4.492).

Para Talita Matos, fundadora e diretora da Singuê, o empreendedorismo surge como uma alternativa à falta de oportunidades formais ou como um desejo genuíno da empreendedora, mas enfrenta obstáculos estruturais para mulheres negras. "A abertura de uma empresa exige muito além dos recursos financeiros iniciais, como educação empreendedora, bons contatos e uma rede de apoio com quem possa compartilhar suas dúvidas e desafios. A maioria das mulheres negras no Brasil não tem nenhuma dessas coisas, o que torna empreender uma necessidade e, ao mesmo tempo, um movimento de risco altíssimo".

Trajetória no afroempreendedorismo

O afroempreendedorismo é o movimento empreendedor liderado por pessoas negras que combina geração de renda, valorização da identidade e fortalecimento da comunidade. Talita Matos fundou a Singuê ao perceber a crescente demanda por soluções que endereçam os desafios da ausência de diversidade e equidade nas organizações. A equipe em sua empresa é composta por profissionais negros de diversas áreas, como educação, RH e gestão. 

"Muitas empresas passaram a me procurar a partir de 2020 para que eu apoiasse as equipes de RH e diversidade quanto ao tema da diversidade. Foi quando decidi fundar a Singuê junto com Eliezer Leal. No banto, a palavra que dá nome ao nosso negócio quer dizer 'entrelace', e a escolhemos porque representa nosso esforço para alinhar os objetivos dos colaboradores aos das organizações e vice-versa", conta Talita.

A Singuê é uma consultoria especializada em diversidade, equidade e inclusão para empresas e organizações do terceiro setor. Com quatro anos de atuação, a empresa desenvolve estratégias de diversidade e inclusão e metodologias customizadas de educação e desenvolvimento de carreira de pessoas negras, com deficiência, mulheres, LGBTQIAP+ e outros grupos.

Apenas em 2023, ao menos 1,6 mil profissionais negros passaram pelos programas de desenvolvimento da Singuê em setores como indústria, varejo e tecnologia. Algumas das marcas atendidas pela Singuê são Lojas Renner, Carrefour, Gerdau e Natura, além de instituições como Fundação Itaú e Instituto Alana.

"As estruturas históricas e sociais em quase todo o mundo favorecem um modelo de empreendedor masculino e branco. Tudo o que foge deste padrão assume um lugar de desvantagem no acesso a direitos básicos e às necessidades de quem empreende, como crédito e acesso ao mercado. Quando uma mulher ou uma pessoa negra deixa de acessar algum espaço que lhe favoreça quanto à prosperidade e educação, isso se reflete nas gerações futuras deste grupo. O mesmo se dá ao contrário e, se uma mulher negra alcança espaços que foram historicamente negados, a tendência é que seus descendentes partam desse lugar para postos ainda mais seguros socialmente", explica Talita.

Incentivo ao afroempreendedorismo feminino

Programas de incentivo ao afroempreendedorismo feito por mulheres são fontes de capacitação e conexões que apoiam a permanência dessas empreendedoras no mercado. O PretaHub - rede de criatividade, inventividade e tendências pretas -, por exemplo, já impactou mais de 10 mil pessoas com programas de inovação, aceleração e capacitação. São responsáveis, por exemplo, pela Feira Preta, o maior festival de cultura preta e economia criativa da América Latina. 

Cada vez mais mulheres negras se destacam no afroempreendedorismo, e Matos menciona algumas que estão com ela nessa caminhada: Andreza Rocha, fundadora da AfrOya Tech Hub; Rosangela Menezes, diretora executiva na Awalé; Shaienne Aguiar, da Mascavo Criativo.

"O empreendedorismo negro está no lugar da criatividade, seja quando vem como uma imposição, como necessidade de sobrevivência, ou de forma espontânea e parte do desejo do empreendedor. Entre nós, há um termo que define qual o nosso papel nos negócios: 'excelência negra'. Somos excelentes não só porque queremos, mas porque precisamos alcançar esse lugar para sermos validados enquanto prestadores de serviços. Não dá para ser mediano. Somos quase sempre a nossa melhor versão no mercado e, por isso, o afroempreendedorismo é tão importante – seja para melhorar nossa autoestima ou para trazer ao mundo produtos e serviços potentes, frutos de uma perspectiva e força ancestral", diz Matos.


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LITIANE MARGUERITA KLEIN DE OLIVEIRA
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