Banalização das ações por erro médico e a indústria dos danos morais
Em um único ano, o número de processos judiciais envolvendo alegadas falhas médicas saltou 506%.
FERREIRA ANTUNES
10/06/2025 13h47 - Atualizado há 1 dia
Divulgação
Natália Soriani* A crescente judicialização da saúde no Brasil tem trazido preocupações legítimas não apenas aos pacientes, mas também à classe médica, no pleno exercício da profissão, e à sociedade como um todo. Dados do próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) impressionam: em um único ano, o número de processos judiciais envolvendo alegadas falhas médicas saltou 506%. Em 2023, eram 12.268 ações registradas; apenas um ano depois, este número alcançou a marca de 74.358. Isso equivale a mais de 200 novos processos por dia.
O fenômeno merece reflexão urgente. Se por um lado a via judicial é fundamental para a garantia de direitos e reparação de danos legítimos, por outro, o crescimento exponencial dessas ações revela um padrão preocupante de banalização do chamado “erro médico” e, consequentemente, do instituto dos danos morais.
Não se pode negar a existência de casos em que o paciente efetivamente sofre prejuízo relevante por falha profissional, devendo ser indenizado nos exatos termos da lei. A responsabilidade médica existe e é um freio importante, norteando a medicina ética e a excelência com a qual se espera o atendimento quando se está em jogo a saúde. Contudo, o que se observa, na prática forense, é a proliferação de demandas que, em muitos casos, se baseiam apenas na frustração do resultado esperado pelo paciente, sem que haja verdadeiro erro técnico, imperícia, imprudência ou negligência, itens que implicam e comprovam erro médico.
A chamada “indústria dos danos morais” tem transformado o Judiciário em palco para pleitos pouco criteriosos e até temerários, o que acaba por desestimular o exercício da medicina e gerar temor e insegurança jurídica na classe médica. Processos infundados não apenas sobrecarregam o sistema judicial, mas também podem arruinar injustamente reputações construídas ao longo de toda uma carreira.
É fundamental destacar que, do lado do profissional acusado, há consequências profundas e nem sempre reparáveis. Uma acusação injusta pode significar não só perda financeira — pela necessidade de defesa técnica, afastamento temporário e até dificuldade de recolocação — mas também danos morais e reputacionais irreversíveis, chegando a configurar verdadeira difamação.
Existem alguns fatores que contribuem para a insegurança jurídica enfrentada pela classe médica, para além da responsabilidade civil e criminal em ações por erro médico. Divergências na jurisprudência, legislação desatualizada, no sentido de não acompanhar os avanços tecnológicos e científicos, a regulamentação que acompanhe a evolução de procedimentos e, por vezes, até a precariedade de recursos do sistema de saúde podem impactar no pleno exercício da profissão, gerando medo de litígios, incertezas na tomada de decisão e até mesmo na relação médico-paciente.
A fronteira entre a busca de justiça e o abuso do direito de ação é extremamente tênue. O devido processo legal e a presunção de inocência, princípios estruturais do nosso ordenamento, precisam ser rigorosamente observados para evitar condenações precipitadas.
A judicialização excessiva e a banalização das ações de erro médico podem gerar graves distorções. O judiciário, nesse cenário, tem papel central ao filtrar adequadamente as demandas, distinguindo o dano real da mera insatisfação, e evitando que a “indústria do dano moral” desequilibre a relação médico-paciente e avilte o exercício da medicina.
Igualmente importante é a conscientização da sociedade quanto aos desafios inerentes à atividade médica: nem todo insucesso terapêutico decorre de erro; muitas vezes, representa o próprio limite da ciência.
O debate sobre as ações de erro médico e a indústria dos danos morais exige maturidade, bom senso e compromisso com a verdade dos fatos. Defender os direitos do paciente não significa transformar todo mau resultado em reparação automática; proteger o profissional de saúde não implica tolerar negligências. O equilíbrio é — e sempre será — a melhor receita para a boa justiça. Afinal, aos bons profissionais e aos verdadeiros pacientes, devemos o respeito à verdade e à Justiça.
*Natália Soriani é advogada especialista em Direito Médico e de Saúde, sócia do escritório Natália Soriani Advocacia Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
CAIO FERREIRA PRATES
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