Educar é incluir, mas não é isentar: reflexões de um professor de medicina que navega por um mar de diagnósticos

Especialista propõe uma reflexão sobre os limites da inclusão educacional em tempos de medicalização crescente

Bendita Letra
05/06/2025 10h55 - Atualizado há 16 horas

Educar é incluir, mas não é isentar: reflexões de um professor de medicina que navega por um mar de
Arquivo Pessoal/Divulgação

Após um período de afastamento das redes sociais, o psiquiatra, professor universitário e doutor em Medicina pela UFMG, Alexandre de Araújo Pereira compartilha uma reflexão sobre a crescente criação e valorização dos diagnósticos em psiquiatria — fenômeno que, segundo ele, tem repercussões diretas na educação.

Segundo o especialista, embora sejamos biologicamente muito parecidos com nossos ancestrais de 100 mil anos atrás, há um movimento atual de associar uma ampla gama de comportamentos a distúrbios mentais com base quase exclusiva no funcionamento cerebral. Ele questiona: “Teria o corpo e o cérebro humanos mudado tanto assim?”

Alexandre observa uma mudança cultural significativa: diagnósticos psiquiátricos, que antes carregavam estigma, hoje são frequentemente utilizados como marca ou até mesmo justificativa para a ausência de responsabilidades pessoais. Termos como TDAH, burnout, depressão e transtorno bipolar passaram a ocupar espaço não só na linguagem cotidiana, mas também em processos educacionais e políticos.

“A lógica parece simples: se meu cérebro está doente, não tenho responsabilidade sobre minhas ações, e cabe à sociedade compreender-me e incluir-me, a qualquer custo”, aponta.

Essa tendência, segundo ele, pode gerar distorções graves, como a inclusão irrestrita em contextos para os quais a pessoa pode não estar preparada. Ele menciona o caso de um edital de uma universidade pública que previa a possibilidade de inscrição de pessoas com deficiência intelectual para atuar como supervisores médicos no SUS. “Em nome de que passamos a incluir, em processos seletivos, pessoas claramente inaptas para determinadas funções?”, questiona.

O professor compartilha ainda a história de uma jovem com atraso intelectual leve que enfrentava grande sofrimento após ingressar em um curso superior na área da saúde. A alternativa proposta — e aceita pela família — foi redirecioná-la para uma formação técnica de curta duração. “Não se trata aqui de descartar ou deixar de apostar na pessoa, mas de considerar as limitações identificadas e investir tempo e vitalidade para uma inclusão possível, não idealizada.”

Para ele, parte do problema também está nas escolas de educação básica, que se sentem obrigadas a diplomar alunos mesmo sem que tenham alcançado os conhecimentos exigidos. Em outro caso relatado, pais processaram uma escola que se negava a emitir o diploma do filho ao final do ensino médio, mesmo após ele ter sido promovido ao último ano. “Teria a escola sido desonesta ao permitir seu avanço e, depois, negar o diploma?”, provoca.

Na vivência como docente em uma escola médica, Alexandre reconhece os desafios da formação e reforça que diagnósticos não devem impedir o acesso ao curso. No entanto, a jornada médica exige organização, resiliência e capacidade emocional, o que pode ser dificultado para quem convive com uma condição psiquiátrica grave sem acompanhamento adequado.

O psiquiatra observa, ainda, um aumento no uso de diagnósticos como TDAH e TEA nível 1 para justificar baixo rendimento ou demandar adaptações curriculares sem critérios claros. “Não se deve ‘carregar um diagnóstico no pescoço’, para pleitear facilidades desnecessárias”, adverte. Segundo ele, é essencial oferecer suporte, mas também manter a clareza de que o aprendizado é responsabilidade do aluno.

Por fim, ele propõe uma retomada dos princípios da Reforma Psiquiátrica brasileira, que apostava nas singularidades dos indivíduos e na inclusão realista, baseada na equidade. “Talvez devêssemos revisitar as raízes desse movimento e não cair na armadilha de acreditar que o diagnóstico deve excluir a pessoa de suas escolhas e responsabilidades.”


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MARIA JULIA HENRIQUES NASCIMENTO
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FONTE: Alexandre de Araújo Pereira Psiquiatra, professor do Curso de Medicina da Unifenas/BH, doutor em Medicina pela UFMG.
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