Após um período de afastamento das redes sociais, o psiquiatra, professor universitário e doutor em Medicina pela UFMG, Alexandre de Araújo Pereira compartilha uma reflexão sobre a crescente criação e valorização dos diagnósticos em psiquiatria — fenômeno que, segundo ele, tem repercussões diretas na educação.
Segundo o especialista, embora sejamos biologicamente muito parecidos com nossos ancestrais de 100 mil anos atrás, há um movimento atual de associar uma ampla gama de comportamentos a distúrbios mentais com base quase exclusiva no funcionamento cerebral. Ele questiona: “Teria o corpo e o cérebro humanos mudado tanto assim?”
Alexandre observa uma mudança cultural significativa: diagnósticos psiquiátricos, que antes carregavam estigma, hoje são frequentemente utilizados como marca ou até mesmo justificativa para a ausência de responsabilidades pessoais. Termos como TDAH, burnout, depressão e transtorno bipolar passaram a ocupar espaço não só na linguagem cotidiana, mas também em processos educacionais e políticos.
“A lógica parece simples: se meu cérebro está doente, não tenho responsabilidade sobre minhas ações, e cabe à sociedade compreender-me e incluir-me, a qualquer custo”, aponta.
Essa tendência, segundo ele, pode gerar distorções graves, como a inclusão irrestrita em contextos para os quais a pessoa pode não estar preparada. Ele menciona o caso de um edital de uma universidade pública que previa a possibilidade de inscrição de pessoas com deficiência intelectual para atuar como supervisores médicos no SUS. “Em nome de que passamos a incluir, em processos seletivos, pessoas claramente inaptas para determinadas funções?”, questiona.
O professor compartilha ainda a história de uma jovem com atraso intelectual leve que enfrentava grande sofrimento após ingressar em um curso superior na área da saúde. A alternativa proposta — e aceita pela família — foi redirecioná-la para uma formação técnica de curta duração. “Não se trata aqui de descartar ou deixar de apostar na pessoa, mas de considerar as limitações identificadas e investir tempo e vitalidade para uma inclusão possível, não idealizada.”
Para ele, parte do problema também está nas escolas de educação básica, que se sentem obrigadas a diplomar alunos mesmo sem que tenham alcançado os conhecimentos exigidos. Em outro caso relatado, pais processaram uma escola que se negava a emitir o diploma do filho ao final do ensino médio, mesmo após ele ter sido promovido ao último ano. “Teria a escola sido desonesta ao permitir seu avanço e, depois, negar o diploma?”, provoca.
Na vivência como docente em uma escola médica, Alexandre reconhece os desafios da formação e reforça que diagnósticos não devem impedir o acesso ao curso. No entanto, a jornada médica exige organização, resiliência e capacidade emocional, o que pode ser dificultado para quem convive com uma condição psiquiátrica grave sem acompanhamento adequado.
O psiquiatra observa, ainda, um aumento no uso de diagnósticos como TDAH e TEA nível 1 para justificar baixo rendimento ou demandar adaptações curriculares sem critérios claros. “Não se deve ‘carregar um diagnóstico no pescoço’, para pleitear facilidades desnecessárias”, adverte. Segundo ele, é essencial oferecer suporte, mas também manter a clareza de que o aprendizado é responsabilidade do aluno.
Por fim, ele propõe uma retomada dos princípios da Reforma Psiquiátrica brasileira, que apostava nas singularidades dos indivíduos e na inclusão realista, baseada na equidade. “Talvez devêssemos revisitar as raízes desse movimento e não cair na armadilha de acreditar que o diagnóstico deve excluir a pessoa de suas escolhas e responsabilidades.”
Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
MARIA JULIA HENRIQUES NASCIMENTO
[email protected]