Que critério é esse? A ANS e sua escolha sobre o desabastecimento de planos de saúde no mercado

Por Bruno Marcelos, do escritório de Advocacia Bruno Marcelos

KAMILA GARCIA
10/04/2025 15h04 - Atualizado há 23 horas

Que critério é esse? A ANS e sua escolha sobre o desabastecimento de planos de saúde no mercado
Pixabay
 

Dentre os diversos controles exercidos pela ANS junto as Operadoras está o monitoramento da garantia de atendimento. O mencionado indicador, de responsabilidade da Diretoria de Produtos da Agência (DIPRO), tem como objetivo avaliar a efetiva cobertura dos contratos de planos de saúde, identificando se os produtos (planos) comercializados estão assegurando a cobertura nos prazos previstos na norma e ainda garantindo a cobertura do rol.

 

A escolha regulatória da DIPRO para tal avaliação era a avaliação das demandas de reclamações de beneficiários recepcionadas pela ANS, que tivessem como referência toda e qualquer restrição de acesso à cobertura assistencial, processadas no âmbito do procedimento da Notificação de Intermediação Preliminar (NIP). Para este fim, eram utilizados os dados de demandas classificadas como Reparação Voluntária e Eficaz, e ainda, aquelas encaminhadas para a abertura de processo administrativo sancionador. 

 

A partir destes dados a DIPRO gera o indicador do mercado e aplica este sobre o resultado de cada operadora, dividindo o resultado em 4 faixas, sendo a primeira 0 (zero) – indicando operadoras que não possuem reclamações classificadas como RVE ou encaminhadas para processo administrativo sancionador, e seguindo até a faixa 3, posição ocupada pela operadora resultado 50% superior a mediana. 

 

Apesar da nossa compreensão no sentido de que o indicador não reflete a garantia de atendimento, diante da disparidade entre volume de cobertura x reclamações, o critério foi alterado em julho de 2024, operando efeitos nesse momento. Por meio da Instrução Normativa DIPRO ANS 36/24, a norma regulatória que cuida do monitoramento foi modificada, passando a adotar um novo critério. 

A norma altera o critério de escolha das reclamações cadastradas como NIP passando a considerar para fins do indicador 50% das demandas classificadas como “não resolvidas” pelo consumidor. 

A alteração do critério é substancial. 

E isto porque, operadoras classificadas duas vezes na faixa três no ciclo de monitoramento da garantia de atendimento terão a comercialização de seus produtos suspensos até a efetiva resolução do problema. Acontece que a alteração promovida pela ANS implica na provável suspensão da comercialização de planos de saúde mais de 100 operadoras, estas que inclusive, representam grande parte do mercado de planos de saúde. 

Em uma busca por respostas da alteração, identificamos que a mudança decorre de uma “cruzada” da ANS contra o aumento expressivo do número de NIP, iniciado no período da pandemia e que não apresentou redução após aquele período. Importante registrar que não existe qualquer estudo que justifique ou minimamente aponte as causas do uso do instrumento, mas, destacamos como próprio efeito social da pandemia o maior uso das plataformas digitais, a aceleração do trabalho em homeoffice e ainda o próprio uso da fermenta NIP como objeto de propaganda institucional da ANS, considerando seu elevado índice de resolutividade que, mesmo com o aumento das reclamações, segue em 90%. 

Fazendo uma conta rápida as Operadoras em 2023 geraram 1,93 bilhões de atendimento, ainda que excluídos os exames, foram realizados 772 milhões de atendimentos, contra 354 mil NIPs no mesmo período, portanto, considerando apenas 50% das NIPs classificadas como não resolvidas, algo em torno de 17.500 reclamações, é evidente a grande discrepância entre o volume de atendimentos prestados de forma absolutamente regular e aqueles que apresentaram algum tipo contratempo. Apenas para fecharmos a proporção, a razão entre o volume de atendimento (sem considerar os exames) e as reclamações consideradas para fins da garantia de atendimento é de 0,22%! 

A alteração regulatória é injustificada e não expressa o resultado da garantia de atendimento. Ao contrário, expõe negativamente a imagem da própria Agência ao escolher, sem critério técnico lastreado em AIR e discricionariedade técnica, um indicador que é contraditório com outros tantos que se prestam a aferir atividade assistencial das Operadoras (veja-se o IDSS).

Como uma Operadora que possui elevado conceito no IDSS terá produtos suspensos? A ausência de correlação entre indicadores assistenciais demonstra falta de coordenação regulatória entre diretorias, não refletindo a realidade da atividade das operadoras

E ainda, como a ANS justificará a população o desabastecimento de produtos da saúde suplementar? Nada na atividade das Operadoras foi alterado, apenas o indicador da ANS promovido sem cumprir qualquer formalidade legal que medisse os impactos da alteração. Sem a avaliação do critério a agência expõe a fragilidade do processo de escolhas regulatórias, e deixa de atender seus objetivos constitucionais e legais para a regulação setorial, acirrando ainda mais a relação das Operadoras x consumidores.


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KAMILA BATISTA GARCIA
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