ARTIGO - Desconsideração da personalidade jurídica e grupo econômico: limites e requisitos legais
ALINE TELLES
11/02/2025 09h08 - Atualizado há 1 mês
Granito Boneli Advogados
A desconsideração da personalidade jurídica é um instituto que busca coibir abusos e fraudes envolvendo pessoas jurídicas, garantindo que a autonomia patrimonial não seja utilizada de maneira irregular para frustrar direitos de terceiros.
Contudo, trata-se de uma medida excepcional e rigorosamente delimitada pela legislação e pela jurisprudência, sendo aplicável apenas em situações em que se comprova, inequivocamente, o abuso da personalidade jurídica, conforme disposto no artigo 50 do Código Civil.
Esse dispositivo estabelece dois requisitos essenciais para a desconsideração: o desvio de finalidade e a confusão patrimonial. Ambos os elementos configuram situações de abuso da personalidade jurídica que justificam a superação da separação entre os patrimônios das pessoas jurídicas e de seus sócios.
No cenário empresarial, é comum que sociedades componham grupos econômicos com o objetivo de otimizar operações e maximizar resultados.
No entanto, a mera existência de um grupo econômico, por si só, não é suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica. Este entendimento está consolidado na jurisprudência dos tribunais, que exige a comprovação de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) tem reiterado esse posicionamento em diversas decisões.
O referido tribunal destacou que a existência de grupo econômico, isoladamente, não autoriza a desconsideração da personalidade jurídica. A medida só é admissível diante de provas concretas de abuso da personalidade, como atos fraudulentos ou confusão patrimonial. No caso, a ausência de tais elementos levou ao provimento do recurso e à exclusão da sucessora do polo passivo da execução (Agravo de Instrumento 2072253-83.2022.8.26.0000 e Agravo de Instrumento 2037511-32.2022.8.26.0000).
Além da jurisprudência, o próprio Código Civil, em seu §4º do artigo 50, reforça essa interpretação ao dispor que “a mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica”.
Ainda que o reconhecimento de grupo econômico não seja suficiente para justificar a desconsideração, sua configuração também exige elementos específicos. É necessário demonstrar:
- Unidade de direção ou comando: Prova de que as empresas atuam sob controle de um mesmo grupo ou gestor, com coordenação de atividades para atender a um objetivo comum.
- Comunhão de interesses: Evidências de que as empresas compartilham interesses financeiros, estratégicos ou operacionais de forma significativa.
- Confusão societária ou patrimonial: Situações em que há mistura de bens, recursos ou obrigações, dificultando a identificação de responsabilidades e patrimônios específicos.
- Identidade de sócios ou gerência única: Fatores que indicam que as empresas não possuem autonomia real e operam como extensão uma da outra.
Em um caso concreto, quando esses elementos não estão presentes não há que se falar em configuração de grupo econômico apto a sustentar uma eventual desconsideração da personalidade jurídica.
É importante ressaltar que a desconsideração da personalidade jurídica não pode ser banalizada. Sua aplicação indiscriminada comprometeria a segurança jurídica e desestimularia investimentos, uma vez que a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um pilar fundamental do ambiente de negócios.
Ao exigir comprovação rigorosa de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, o legislador e os tribunais buscam preservar o equilíbrio entre a proteção dos credores e o incentivo ao desenvolvimento empresarial. A aplicação dessa medida de forma ampla e sem respaldo nos requisitos legais pode abrir precedentes perigosos, promovendo um ambiente de incerteza jurídica.
Portanto, a desconsideração da personalidade jurídica é uma ferramenta essencial para coibir abusos, mas deve ser utilizada com cautela e respaldo nos requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil.
A mera existência de grupo econômico, conforme reiterado pela jurisprudência e pela legislação, não autoriza sua aplicação, sendo imprescindível a comprovação de abuso da personalidade jurídica, por meio de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Essa abordagem criteriosa reflete o equilíbrio necessário entre a proteção dos credores e a preservação da autonomia das pessoas jurídicas, promovendo um ambiente empresarial justo e seguro.
Ana Carolina Rôvere é advogada no Granito Boneli Advogados, pós-graduada em Processo Civil e mestranda em Direito Empresarial.
Henrique Brax Vicensoto é advogado no Granito Boneli Advogados e pós-graduado em Direito Empresarial pela FGV.
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ALINE REGINA TELLES DE ALMEIDA
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FONTE: Ana Carolina Rôvere e Henrique Brax Vicensoto