06/12/2024 às 15h52min - Atualizada em 07/12/2024 às 08h05min

Futebol no Brasil: da paixão à ganância, o preço de um esporte em crise

Fernanda Letícia de Souza (*)

JULIA ESTEVAM
Rodrigo Leal

Conta a história que o futebol chegou ao Brasil pelas mãos do brasileiro, descendente de escoceses, Charles Miller. Nascido em São Paulo, Miller foi estudar na Inglaterra e, em 1894, ao retornar ao país, trouxe na mala duas bolas, dois uniformes completos, uma bomba de ar e um livro de regras do futebol, esporte que já encantava milhares de ingleses. 

No início, o futebol tinha um caráter estritamente recreativo, utilizado como opção de lazer para distrair e divertir os operários das fábricas. O primeiro clube de futebol brasileiro foi o São Paulo Athletic Club, criado como uma associação de caráter esportivo amador, sem qualquer finalidade econômica, com o objetivo de promover jogos entre seus associados e estimular a convivência social. No entanto, a monetização do futebol não demorou muito para acontecer. Apenas seis anos após a introdução do esporte no Brasil, em julho de 1900, o Sport Club Rio Grande, de Rio Grande (RS), surgiu como o primeiro clube criado com o objetivo de manter equipes de futebol. 

De lá para cá, o futebol brasileiro só cresceu, tanto em quantidade de clubes profissionais, quanto em valores de contratos de jogadores, programas de torcedores e comercialização de camisas, ingressos e demais produtos ligados ao esporte. Os números são cada vez mais astronômicos e a ascensão dos craques cada vez mais meteórica. Segundo a InfoMoney, em 2023, a receita total bruta dos clubes da Série A do Campeonato Brasileiro atingiu o recorde de R$ 8,83 bilhões, uma variação de 16,4% em relação a 2022. 

Infelizmente, o velho ditado popular de quanto mais se tem mais se quer, também se aplica ao futebol brasileiro. O relatório da InfoMoney mostra que mais dinheiro nas mãos significa sempre a oportunidade de aumentar a competitividade, ao invés de pagar as dívidas contraídas para fechar e manter os contratos. A dívida líquida da série A, em 2023, foi de R$ 11,73 bilhões, ou seja, quase 3 bilhões de reais acima da receita obtida. 

Neste mercado de valores exorbitantes, o que tem chamado atenção é a utilização de meios ilícitos para obtenção de lucro, burlando o que o esporte, neste caso o futebol, tem de mais precioso e encantador: a imprevisibilidade dos resultados. Ao comprar o ingresso para torcer pelo seu time do coração, o torcedor não tem ideia de qual será o resultado da partida. Ou pelo menos não deveria saber. Em 2024, duas grandes operações da Polícia Federal buscaram apurar manipulações de resultados de jogos em campeonatos do futebol brasileiro. 

A Operação VAR, deflagrada no Rio de Janeiro, contra a manipulação de resultados da Série B do Campeonato Carioca de 2024, cumpriu 11 mandados de busca e apreensão contra os envolvidos no esquema. Willian Rogatto, conhecido como “Rei do Rebaixamento”, um dos alvos da operação, afirmou ter faturado mais de R$ 300 milhões com manipulação de resultados. Mais recentemente, a Operação Spot-fixing buscou apurar uma possível manipulação do mercado de cartões, em partidas de futebol válidas pelo Campeonato Brasileiro da Série A. Os alvos da operação são jogadores que teriam agido de maneira deliberada para receber cartões, com o objetivo de beneficiar familiares e amigos em apostas esportivas. 

Estes são apenas dois exemplos de operações da Polícia Federal para apurar irregularidades no futebol brasileiro. Muitas outras investigações já foram realizadas ou estão em andamento. Infelizmente, o futebol brasileiro tem deixado as páginas de esportes para ganhar destaque nas colunas policiais. Em que momento da história o futebol deixou de ser puro entretenimento e paixão pelas cores do time, para se tornar obsessão pelo lucro a qualquer custo e busca de benefício individual em detrimento do coletivo? 

Parece que o amor à camisa ficou restrito aos torcedores, que choram, vibram, sofrem pelo time do coração e ainda acreditam na beleza da imprevisibilidade dos resultados das partidas. Para eles, o show parece continuar, mesmo que o preço a pagar seja muito alto. 

(*) Fernanda Letícia de Souza é Especialista em Fisiologia do Exercício e Prescrição do Exercício Físico e professora da Área de Linguagens Cultural e Corporal do Centro Universitário Internacional UNINTER.  

 


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JULIA CRISTINA ALVES ESTEVAM
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