Na última sessão da Corte Especial presidida pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, em 21/08/2024, o julgamento do Recurso Especial n. 1.795.982/SP que discutia qual deve ser o índice de atualização e aplicação de juros às condenações civis. O Recurso tratou de uma controvérsia individual, mas foi afetado à Corte Especial do STJ em outubro de 2021, dada a relevância e repercussão da matéria.
O tema dividiu a Corte que, na sessão de 06/03/2024, por maioria apertada (6 votos a 5,) havia decidido favoravelmente à aplicação da SELIC, tendência que vinha ganhando força notadamente após a Emenda Constitucional 113/2021. Apesar da disposição do Min. Relator Luis Felipe Salomão em debater, em nova sessão, os cenários de aplicação da SELIC, em especial como extrair dela isoladamente os índices de correção monetária e de juros, já que a taxa abrange ambos, a solução acabou vindo do legislador.
A Lei 14.905, sancionada em 28 de junho de 2024, introduziu uma mudança significativa no Código Civil ao alterar o seu artigo 406 e determinar que a taxa de juros legais no Brasil passa a ser equivalente à taxa SELIC, deduzido o índice de inflação IPCA/IBGE.
Antes da promulgação desta lei, o artigo 406 do Código Civil era objeto de debates no meio jurídico. Uma primeira interpretação, adotada, por vezes, por alguns Tribunais Estaduais, defendia que a taxa de juros deveria ser de 1% ao mês, seguindo a regra geral do Código Tributário Nacional (CTN). A segunda interpretação sustentava que os juros de mora seriam a taxa SELIC, mais alinhada ao contexto econômico nacional. Essa divergência gerava indesejada insegurança jurídica, em um tema tão fundamental e com tamanho impacto nos negócios e nos litígios.
A proposta que deu origem à Lei 14.905 foi apresentada ao Congresso Nacional em dezembro 2023 pelo Poder Executivo, pelo Projeto de Lei 6233/2023, e teve como objetivo unificar o entendimento sobre a taxa de juros legais e proporcionar maior previsibilidade nas relações comerciais. O projeto tramitou rapidamente, tendo como relator na Câmara dos Deputados o Deputado Pedro Paulo (PSD-RJ). Em junho de 2024, o projeto foi aprovado pelo Congresso Nacional. Sancionada pelo Presidente da República, a Lei foi publicada no Diário Oficial da União em 1º de julho de 2024 e entrará em vigor na próxima semana, em 1º de setembro de 2024.
A alteração da taxa de juros de 1% para a SELIC tem impactos significativos. Um débito hipotético de R$1.000.000,00, devido há quinze anos, estaria hoje em R$ 6.708.366,49, se atualizado pelo IPCA e 1% de juros e em R$ 3.885.958,71 se atualizado pela SELIC, uma diferença de mais de 40%.
O gráfico abaixo que compara as taxas da poupança, CDI e SELIC com os juros de 1% mensal, apresentado pelo Banco Central do Brasil no mencionado Recurso Especial, dá conta da disparidade entre os índices e da alta variação da taxa SELIC, que em certos períodos aproxima-se, inclusive, de zero, momentos nos quais o devedor praticamente não terá estímulo ao adimplemento.
Por outro lado, entidades ligadas às defesas do consumidor e o próprio Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil se posicionaram pela inadequação da taxa SELIC, que não garantiria a justiça civil e o desenvolvimento econômico do país, acarretando o efeito colateral de desincentivo ao cumprimento das obrigações, diante da ausência de caráter moratório, mas somente de recomposição do valor de mercado.
Afinal, a SELIC, como taxa de juros, reflete o custo do dinheiro, e permite o investimento em títulos públicos, visto internamente como de baixo risco. Se é possível rolar uma dívida com um fornecedor ao custo da SELIC, seria vantajoso, do ponto de vista estritamente econômico, postergar o seu pagamento em prol de investimentos nas taxas mais atrativas da economia real.
A despeito da pacificação do tema, há muito devida, é possível que discussões residuais ainda ocorram. Como ficarão os casos em andamento, sobretudo quando a fixação de juros de 1% pelas instâncias inferiores não for objeto de recurso? Por se tratar de matéria legal, haverá modificação da taxa de juros de ofício, sem debate entre as partes? Ainda, ações recentemente encerradas poderiam ser objeto de ação rescisória por terem se baseado em fixação de critério de juros contrário à lei, já que mesmo antes da Lei 14.905, o STJ cravou a aplicação da SELIC? Essas e outras questões deverão voltar a bater às portas do STJ, do qual se espera uma atuação célere, concertada e racional, para de fato essa matéria se estabilize.
*Marina Maia é advogada e Francisco Ferreira é sócio da banca Aroeira Salles Advogados.
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VERONICA GARCIA ROCHA DA SILVA
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