Assumir alguém, pessoa física, personalidade jurídica, nada tem de irregular. Milhares de pessoas físicas assim o fazem, na expectativa de encontrarem mais facilidade para trabalhar. Advogados, corretores de imóveis e de valores, contabilistas, consultores, arquitetos, jornalistas, artistas, radialistas, marqueteiros, médicos, engenheiros, caminhoneiros, acumulam dupla personalidade: a física e a jurídica, esta última na qualidade de sociedade por cotas de responsabilidade limitada.
Eu mesmo, após me aposentar pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), voltei a advogar. Para tanto, fundei a Almir Pazzianotto Pinto Consultoria Ltda. Quando contratado para prestação de serviços de advocacia o faço pela empresa, emitindo nota fiscal eletrônica, destinada a formalizar a cobrança dos honorários.
Ninguém, certamente, ignora o excessivo peso que recai sobre a folha de salários. Segundo especialistas, como o professor José Pastore, os encargos sociais chegam a dobrar o custo do salário nominal contratado. Grandes empresas procuram reduzir o número de empregados. Recorrem à automação e à robotização. Micro e pequenos fogem à formalização, contratando sem Carteira de Trabalho preenchida. Os riscos são grandes, mas não há outra maneira de se fazer.
Em princípio, a pejotização, além de lícita, é conveniente para ambas as partes. Para o tomador de serviços por ficar livre dos encargos sociais. Para o prestador de serviços porque encontra trabalho bem remunerado e se isenta de determinados recolhimentos fiscais e do enquadramento sindical.
O problema surge quando o PJ, violando compromissos apalavrados e escritos, ajuíza reclamação trabalhista. Invoca a aplicação do art. 9º da CLT para alegar hipossuficiência e pedir à Justiça do Trabalho reconhecimento da existência de contrato de trabalho, com a condenação do tomador de serviços ao pagamento de férias não gozadas, décimos terceiros salários, horas extraordinárias, descanso semanal e feriados, depósitos do FGTS, recolhimento de contribuições previdenciárias, indenização por danos materiais e morais, tudo alcançando centenas de milhares de reais.
Enquanto se avolumavam condenações na Justiça do Trabalho, os empresários que conseguiram fazer com que Recursos Extraordinários chegassem ao Supremo Tribunal Federal (STF) obtiveram êxito, sobretudo após a aprovação da Lei nº 13.467/2017, da Reforma Trabalhista, que admitiu a terceirização da atividade fim, sem restrições de qualquer natureza.
Embora a pejotização não seja modalidade de terceirização, o fato é que o STF a admitiu como contrato de prestação de serviços previsto pelos artigos 593/609 do Código Civil, sendo a matéria, portanto, da alçada da Justiça Comum.
Diante de alarmante número de Reclamações Constitucionais ajuizadas no STF, contra decisões da Justiça do Trabalho, o Ministro Gilmar Mendes determinou que fosse suspensa a tramitação de todos os processos envolvendo a pejotização, até manifestação com efeito vinculativo do Tribunal Pleno. Para quem desconhece, Reclamação Constitucional é medida de caráter excepcional, prevista pela Constituição de 1988, entre as atribuições do STF, destinada à “preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões” (art. 102, l).
Compreendo a insatisfação que toma conta de ilustres magistrados da Justiça do Trabalho, quando observam seguidas decisões tomadas pelos Tribunais Regionais, ou pelo Tribunal Superior do Trabalho, serem anuladas no STF, por se encontraram em divergência com jurisprudência da mais alta Corte.
Lembro, todavia, que a Justiça do Trabalho também se sujeita aos princípios de hierarquia e disciplina. O STF é órgão de cúpula do Poder Judiciário, cujas decisões se impõem sobre aquilo que decidem instâncias inferiores. Quando ministro do TST muitas vezes abdiquei das convicções relativas a determinadas matérias, para me juntar à maioria,obediente ao princípio da disciplina judiciária.
Ao aceitar a terceirização de forma irrestrita, o legislador deu enorme passo em benefício da segurança jurídica. O PJ atende às necessidades das empresas e de trabalhadores qualificados, para os quais a excessiva onerosidade que pesa sobre os salários os impede de serem contratados.
Oportuna a decisão do ministro Gilmar Mendes. Espera-se, agora, que o pleno do STF adote decisão com efeito vinculativo, que aceite o PJ como algo legítimo e compatível com as necessidades das empresas e dos profissionais em busca de espaço no disputado e cada vez mais reduzido mercado de trabalho.