Avaliação Neuropsicológica Identifica Autismo, Altas Habilidades e Transtornos em Qualquer Idade
Diagnósticos tardios tornam-se cada vez mais comuns, com adultos descobrindo condições que passaram despercebidas por décadas informa a psicóloga e avaliadora neuropsicológica Flávia Trindade.
HABLA FM
10/10/2025 14h25 - Atualizado há 8 horas
Na imagem Flávia Trindade. Imagem concedida para fins jornalísticos
Em maio de 2025, o IBGE divulgou pela primeira vez dados oficiais sobre autismo no Brasil, resultado do Censo 2022. O levantamento identificou 2,4 milhões de brasileiros diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista, representando 1,2% da população. Pesquisas internacionais indicam que o autismo permanece subdiagnosticado em adultos: enquanto 2,8% das crianças entre 10-14 anos têm diagnóstico, apenas 0,01% dos adultos são oficialmente diagnosticados. Especialistas alertam que a avaliação neuropsicológica é ferramenta fundamental para identificar autismo, altas habilidades e outros transtornos, inclusive em adultos que passaram décadas sem respostas. "Não é raro receber pessoas de 40, 50 anos que finalmente descobrem ser autistas ou ter altas habilidades. São histórias de uma vida inteira tentando se encaixar, se esforçando mais que os outros, sem entender o porquê", relata Flávia Trindade, psicóloga e especialista em avaliação neuropsicológica do Instituto ConectaMentis, em Curitiba. Como funciona a avaliação neuropsicológica
A avaliação neuropsicológica é um processo clínico estruturado que utiliza ferramentas padronizadas padronizados para investigar o funcionamento cerebral. Diferente de consultas psicológicas convencionais, oferece dados objetivos sobre capacidades cognitivas. O processo completo leva entre seis e dez sessões e inclui entrevista inicial, aplicação de ferramentas padronizadas de atenção, memória, linguagem e raciocínio, além de avaliação socioemocional, variando com a queixa de cada paciente. O resultado é um laudo detalhado com diagnóstico e orientações práticas. Também é realizada uma devolutiva a fim de explicar os resultados. "Os testes são cientificamente validados e permitem comparar o desempenho com padrões esperados para idade e escolaridade. Atendo desde adolescentes até adultos de 60, 70 anos que buscam finalmente entender suas particularidades", explica a especialista. Diagnósticos na vida adulta: histórias que se repetem
A descoberta de autismo ou altas habilidades na vida adulta tem se tornado cada vez mais comum. Especialistas estimam que uma parcela significativa da população adulta vive sem diagnóstico. "Recebo pessoas de 45, 50 anos que sempre se sentiram diferentes. Uma cliente descobriu ter altas habilidades aos 48 anos e tudo fez sentido, o tédio na escola, a facilidade em algumas áreas, a frustração em outras. Outra descobriu autismo aos 40 e finalmente compreendeu décadas de exaustão social", compartilha Flávia Trindade. Esses diagnósticos tardios explicam experiências ao longo da vida: dificuldades sociais atribuídas à timidez, esgotamento após interações considerado "frescura", ou capacidades acima da média vistas como "sorte" ou "esforço". Autismo em adultos: décadas de mascaramento
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) em adultos apresenta desafios específicos de identificação. Muitas pessoas desenvolveram mecanismos de compensação ao longo de décadas, mascarando características clássicas do autismo. Pesquisas mostram que adultos autistas, especialmente mulheres e aqueles com necessidade de suporte nível 1, frequentemente passam a vida inteira sem diagnóstico. Estudos indicam que quase 80% das mulheres autistas não são diagnosticadas até os 18 anos. Eles aprendem a imitar comportamentos sociais, mas isso gera desgaste emocional e físico, o chamado "mascaramento autista". Sinais que podem indicar autismo em adultos incluem dificuldade persistente em manter relações sociais profundas, interpretação literal de linguagem, interesses específicos e intensos, necessidade de rotinas rígidas, sensibilidade sensorial aumentada e exaustão após interações sociais. "Vejo adultos que passaram décadas se sentindo “inadequados”, tentando decifrar códigos sociais que pareciam naturais para outros. O diagnóstico pode ser libertador, permitindo que a pessoa compreenda suas características e pare de se culpar", observa Flávia Trindade. Altas habilidades: potencial não reconhecido
Pessoas com altas habilidades nem sempre tiveram bom desempenho escolar ou sucesso profissional. Muitas vivem frustradas pela falta de desafios ou pela incompreensão de suas características. A avaliação neuropsicológica investiga capacidade intelectual, criatividade, habilidades específicas e talentos especiais. Características como raciocínio rápido, facilidade em resolver problemas complexos, tédio com tarefas rotineiras e questionamento constante podem indicar altas habilidades. "Pessoas com altas habilidades podem ter histórico de tédio escolar, mudanças frequentes de emprego por falta de desafios, ou desenvolvimento de ansiedade e depressão pela sensação de não se encaixar. Quando descobrem aos 40, 50 anos, é como se peças de um quebra-cabeça finalmente se encaixassem", destaca a psicóloga. O diagnóstico permite compreender padrões de vida: por que algumas coisas sempre foram fáceis, por que a rotina é insuportável, por que relacionamentos podem ser complexos quando há diferença significativa de interesses ou profundidade de pensamento. Transtornos de aprendizagem: quando a dificuldade é específica
Dislexia, discalculia e outros transtornos de aprendizagem frequentemente são confundidos com preguiça ou falta de esforço. A
avaliação neuropsicológica diferencia essas condições de questões comportamentais, em qualquer idade. "Muitas pessoas chegam com autoestima prejudicada porque foram rotuladas como preguiçosas a vida inteira. Alguns adultos carregam traumas escolares por décadas. Na verdade, possuem transtornos específicos que explicam anos de dificuldades", relata a especialista. TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) também aparece com frequência nas avaliações, afetando concentração e controle de impulsos. "Muitos sintomas se sobrepõem. Desatenção pode indicar TDAH, autismo, ansiedade ou até altas habilidades com tédio. A avaliação é essencial para diagnóstico correto", explica Flávia. Impacto emocional do diagnóstico tardio
Profissionais alertam que pessoas sem diagnóstico frequentemente desenvolvem ansiedade, depressão e burnout. O desconhecimento sobre suas próprias características gera décadas de sofrimento e auto-julgamento. "Adultos relatam anos de terapia tratando sintomas sem chegar à causa raiz. Quando descobrem autismo ou altas habilidades, tudo faz sentido. É um divisor de águas emocional", afirma a psicóloga. Para muitos, o diagnóstico tardio traz alívio, mas também luto pelas décadas sem compreensão. "É comum pensar 'como minha vida teria sido diferente se eu soubesse antes'. Mas o importante é que agora ela sabe e pode ressignificar sua história", pontua Flávia. Com o laudo em mãos, é possível buscar terapias específicas, adaptar o ambiente de trabalho e desenvolver autoconhecimento e autocompaixão. Adaptações e qualidade de vida
Integrar o diagnóstico à vida prática é fundamental para qualidade de vida. O laudo neuropsicológico embasa solicitações de adaptações e permite compreensão pessoal. Para adolescentes, adaptações escolares incluem tempo estendido em provas, material diferenciado e acompanhamento individualizado. A Lei Brasileira de Inclusão (LBI) garante direitos a estudantes com diagnósticos que impactam a aprendizagem. Para adultos, o conhecimento sobre si mesmo permite escolhas conscientes: ambientes de trabalho adequados, relacionamentos mais saudáveis e estratégias para lidar com desafios cotidianos. "Adultos autistas podem entender por que precisam de tempo sozinhos, por que ambientes barulhentos são desgastantes ou por que mudanças de rotina geram ansiedade. Isso traz autocompaixão e melhora significativa na qualidade de vida", observa Flávia Trindade. Ressignificando a própria história
Após a avaliação, profissionais realizam devolutivas detalhadas. A compreensão do diagnóstico é essencial para ressignificação da história pessoal. "A devolutiva é poderosa. Vejo pessoas chorando de alívio ao entenderem que não há nada 'errado' com elas, apenas características neurológicas diferentes. Uma paciente disse que finalmente se sentiu 'perdoada' por décadas de não se encaixar", compartilha a especialista. Para pessoas autistas, as orientações incluem estratégias de comunicação, compreensão de necessidades sensoriais e desenvolvimento de limites saudáveis. Para altas habilidades, o foco está em encontrar desafios adequados, lidar com perfeccionismo e encontrar pares intelectuais. "A avaliação não termina com a entrega do laudo. É o início de um processo de autoconhecimento e aceitação. Acompanho as pessoas nessa jornada de se reconhecerem e se validarem", afirma Flávia Trindade. Quando buscar avaliação especializada
Especialistas recomendam avaliação neuropsicológica quando há dificuldades persistentes que não melhoram com esforço, sensação de não se encaixar, capacidades muito acima da média em algumas áreas acompanhadas de dificuldades em outras, exaustão após interações sociais, ou histórico familiar de condições neuropsicológicas. "Não existe idade limite para buscar respostas. Tenho pacientes de 20, 40, 60 anos. Se você passou a vida se sentindo diferente, a avaliação pode ajudar", alerta Flávia Trindade. A psicóloga atende no Instituto ConectaMentis, Batel, Curitiba, Instituto Referência em Saúde Mental, e está disponível para contribuições em matérias jornalísticas pelo telefone (41) 99595-0280 ou Instagram @psiflaviatrindade.
Flávia Trindade (CRP 08/32761) é psicóloga, sexóloga e especialista em avaliação neuropsicológica. Reconhecida como referência em saúde mental, contribui regularmente com veículos de comunicação sobre desenvolvimento humano e neurodiversidade. Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
ROBERTA FABIANI DA TRINDADE
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