Currículo Azul: por que o oceano precisa entrar nas salas de aula
Iniciativas como o Currículo Azul levam a educação oceânica a milhares de alunos
ROBERTA LEMOS
17/09/2025 16h09 - Atualizado há 4 horas
Divulgação
Em muitos países, a palavra “oceano” sequer é mencionada nos currículos escolares e políticas públicas educacionais. O resultado é previsível: milhares de jovens concluem o ensino sem saber o que é um recife de coral, sem compreender que 3 bilhões de pessoas dependem do mar globalmente para sua alimentação ou sem perceber a importância dos portos para o comércio global. Ainda sonham em ser astronautas, mas desconhecem os cientistas que mergulham nas profundezas do nosso próprio planeta. Esse vazio educacional é grave. Estamos formando gerações que não sabem que o oceano pode ser um caminho profissional na ciência, política, negócios, arte ou tecnologia. O Currículo Azul busca trazer o oceano para as salas de aula, colocando os alunos no centro do debate. Em abril de 2025, uma ação inédita, resultado da colaboração entre o Ministério da Educação (MEC), o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e a UNESCO, deu início a um protocolo para incluir oficialmente a cultura oceânica no currículo nacional, tornando o Brasil o primeiro país do mundo a assumir esse compromisso. Este programa educativo alinha o oceano como eixo interdisciplinar, conectando ciência, história, geografia, artes, cultura, matemática, educação física, cidadania e até economia à sustentabilidade. Em um mundo cada vez mais VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo), não é possível dar as costas ao oceano. Vulnerável a mudanças climáticas, poluição e atividades ilegais, ele exige estratégias de sustentabilidade adaptativas e resilientes, que promovam cooperação internacional e integrem a gestão de riscos para enfrentar ameaças conectadas e mudanças contínuas. E a escola é o lugar certo para iniciar esta discussão. A urgência sobre melhor estudar o oceano é clara. Sabemos mais sobre Marte do que sobre o fundo do mar. Esse paradoxo se traduz em oportunidades desperdiçadas. O oceano movimenta por ano US$ 1,5 trilhão, por meio da chamada Economia Azul, mas apenas 1,7% dos investimentos globais em pesquisa se destinam a temas oceânicos. Se o oceano hoje fosse um país, ele seria a sétima maior economia do planeta, ao lado de Alemanha, Itália e França. Porém, mesmo com números extraordinários, o ODS 14 (Vida na Água) segue entre o menos financiado da Agenda 2030. Colocar o oceano na sala de aula é investir em inovação, empregos e resiliência a longo prazo. Com o projeto “Escolas Azul”, muitos estudantes já iniciaram essa jornada. Presente no Brasil, sob coordenação do Maré de Ciência, e em mais de 50 países ao redor do mundo, o projeto mostra que aprender sobre o oceano vai muito além de memorizar espécies ou nomes de cidades costeiras. Trata-se de uma educação que incorpora uma cultura oceânica às escolas, formando cidadãos capazes de pensar criticamente, colaborar e criar soluções para um planeta em crise. Nesse processo, a escola se conecta com a comunidade local e se torna um portal de diálogo com empresas, especialistas, cientistas e universidades. Na prática, a cultura oceânica se revela um terreno fértil para preparar jovens que poderão ser diplomatas, engenheiros, juízes, advogados, comunicadores, artistas ou políticos, todos com uma visão oceânica. Quando uma política pública educacional como o Currículo Azul conecta a escola ao oceano de forma interdisciplinar, estamos indo além das aulas de biologia. Estamos integrando conhecimento do mar às soft skills e competências do século XXI, como resolução de problemas, adaptabilidade, criatividade, empatia, tolerância e colaboração, essenciais para o mercado de trabalho do futuro. No Brasil, falar de oceano é falar também da Amazônia Azul, nossa vasta zona marítima de relevância econômica e estratégica. Compreender o oceano é compreender o próprio Brasil, ou melhor, nossos múltiplos 'Brasis'. A cultura oceânica não apenas educa, mas permite pensar além, em um ato que reverbera para cidades mais “azuis” e resilientes frente ao aumento do nível do mar e a eventos climáticos extremos, influenciando como pensamos nos planos diretores, cultura, transporte, saúde e infraestrutura. A iniciativa ainda oferece espaço para discussões paralelas, que envolvam outros atores, assim como a academia e os governos, para que como sociedade possamos pensar no mar de forma 360 graus, como futuro, desenvolvendo ferramentas para decisões mais informadas, abrangendo desde o uso de biotecnologias marinhas para curar doenças e investimentos em energia renovável offshore, até a valorização do conhecimento tradicional de comunidades costeiras. E se engana quem acredita que conhecimento sobre o mar é apenas para quem vive perto da costa. O oceano influencia até regiões do interior do Brasil. Ele é o pilar da produção agrícola de Minas Gerais, e é por meio dele que o café atinge os mercados internacionais. Na Amazônia, ele se conecta aos ‘rios voadores’, correntes de vapor que transportam umidade e garantem chuvas e temperaturas amenas para o Sudeste. O oceano é esse elo invisível que une pessoas, economias e culturas, e sua ausência da sala de aula está com os dias contados. No fundo, trata-se de redefinir o imaginário coletivo. Se perguntamos a uma criança o que quer ser quando crescer e ela responde “astronauta”, não há nada de errado. Mas já está na hora de também ouvirmos: “quero ser um profissional do oceano.” Porque o futuro, econômico, ambiental e cultural é azul: e virá do mar. Ana Vitória Tereza de Magalhães é consultora internacional e especialista em cultura oceânica, com trajetória marcada por atuações na ONU, Unesco e Comissão Europeia. Integrou a equipe responsável pela criação do programa global Escola Azul, já presente em mais de 50 países, que insere o oceano no currículo escolar para promover consciência ambiental, vínculo afetivo e práticas sustentáveis. Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
ROBERTA MARTINI SCHWINZER LEMOS
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