As férias escolares, embora aguardadas como um período de descanso e convivência, costumam representar também um desafio para muitas famílias. Isso porque, enquanto as crianças estão em casa, os pais geralmente continuam trabalhando, precisando equilibrar suas demandas profissionais e domésticas com a responsabilidade de cuidar dos filhos. Nesse cenário, para um número crescente de crianças, as férias se transformam em maratonas digitais: celulares, tablets e videogames tornam-se as “babás” oficiais do recesso. A dificuldade dos adultos em propor alternativas ao tempo de tela escancara um dilema contemporâneo: como entreter os filhos, cuidar do trabalho, da casa e, ainda assim, zelar pelo desenvolvimento saudável da infância?
Neurociência e psicologia têm reiterado os riscos de uma infância excessivamente mediada por dispositivos eletrônicos. Jean Twenge (2017), ao investigar gerações nascidas após 1995, observou que quanto maior o tempo conectado, maior a prevalência de sintomas como depressão, ansiedade e insatisfação com a vida entre adolescentes. Jonathan Haidt (2024), em uma revisão recente, reforça que a hiperexposição digital fragiliza competências emocionais e sociais fundamentais, tornando crianças e adolescentes mais vulneráveis ao estresse e menos resilientes frente às frustrações.
Sob a perspectiva neuropsicológica, as pesquisas de Adele Diamond e Philip Zelazo demonstram que as funções executivas, como memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva, são altamente moldáveis pelo ambiente. Em outras palavras, essas habilidades se desenvolvem na interação com contextos ricos em desafio, novidade, socialização e movimento. Ambientes passivos e previsíveis, como os oferecidos pelas telas, tendem a atrofiar essas capacidades, deixando as crianças menos preparadas para planejar, resolver problemas e regular emoções.
Mas se os perigos estão bem documentados, quais alternativas são viáveis para famílias comuns, especialmente durante as férias? A boa notícia é que a própria natureza oferece um repertório amplo, gratuito e eficaz. Brincadeiras ao ar livre como explorar um parque, subir em árvores ou fazer trilhas, estimulam a coordenação motora, a criatividade e a atenção plena. Em dias frios ou chuvosos, atividades dentro de casa, como modelar argila, cozinhar juntos ou pintar, favorecem a concentração e o foco atencional. Outra excelente opção são os jogos em família: cartas, tabuleiros, mímicas, que não apenas promovem o desenvolvimento das funções executivas, mas também fortalecem vínculos afetivos.
O descanso das férias não deve ser confundido com uma desconexão do real. Mais do que vigiar o tempo de tela, os adultos podem assumir o papel de mediadores do lazer, oferecendo experiências que desafiem, encantem e edifiquem a criança por inteiro. Pequenas escolhas cotidianas, feitas com intencionalidade, produzem impactos duradouros no cérebro e no coração.
Antes de entregar o celular ou ligar a TV, vale perguntar: que memórias desejo que meu filho leve destas férias? Muitas vezes, as melhores respostas estão fora das telas e bem dentro do vínculo humano.
*Sheron Mendes é Bióloga, especialista em Neurociência do Comportamento e professora dos cursos de pós-graduação em Educação na UNINTER.
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JULIA CRISTINA ALVES ESTEVAM
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