Mais de 78% das famílias brasileiras estão endividadas, segundo o levantamento feito em março deste ano pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Em junho, outra avaliação indicou que 71,7% dos estudantes brasileiros de 15 anos não conseguem fazer os cálculos de um orçamento, entender um empréstimo ou sequer analisar extratos bancários. Esse é o resultado de mais uma etapa da maior prova internacional de estudantes do mundo, o Pisa, que avaliou a educação financeira em 20 países. Os números reforçam o ponto discutido por especialistas sobre o fato de a educação financeira ainda ser pouco estimulada e praticada no país. Aprender a lidar com as próprias finanças desde cedo pode garantir uma vida financeira com menos turbulências, especialmente quando o ponto de partida é a escola. De tão relevante, o tema virou disciplina escolar obrigatória em algumas instituições, como o Colégio Visconde de Porto Seguro, em São Paulo, permitindo aos alunos entender, desde cedo, como gerir a mesada ou até mesmo o orçamento de suas famílias.
Lilian Oliveira, coordenadora de Matemática do Ensino Fundamental II no Porto Seguro, explica: “Nossos pilares são planejamento, economia e as aplicações em investimentos. Então, conforme os alunos vão estudando sobre esses pilares e essa formação vai se criando por meio da educação financeira como suporte durante o processo, eles vão recebendo toda educação para ter a liberdade financeira desejada no futuro, sem a necessidade de se tornarem especialistas no assunto”. O Colégio aborda o tema de forma natural, acompanhando as fases de amadurecimento dos estudantes, da infância à adolescência. No Fundamental I, os alunos aprendem desde organizar financeiramente uma festa de aniversário até poupar e também participar de campanhas solidárias. No Ensino Médio, no itinerário formativo que envolve finanças, eles aprendem a criar uma empresa e a desenvolver propostas de negociações com o exterior, chegando ao preço de um produto ou serviço e calculando lucratividade.
Para os mais velhos, do Ensino Médio, a grade de aulas passa por porcentagem simples e composta, que é a parte mais básica da matemática financeira, e, em cima disso, os alunos são preparados para realizar aplicações financeiras tanto de renda fixa quanto de renda variável, como bolsa de valores e tesouro direto. É oferecido também um curso completo de Excel para formatação de relatórios, dashboard e gráficos. São dois anos de curso e, ao final do primeiro ano, o aluno é obrigado a montar uma empresa fictícia. Já no outro ano, eles trabalham sistema de gerenciamento empresarial com foco em fluxo de caixa para saber se a empresa está no caminho certo.
Quase um tabu para adultos, o tema é encarado com naturalidade pela garotada. Segundo a coordenadora, os pais se surpreendem com o nível de maturidade e argumentação dos filhos quando abordam o assunto, muitas vezes introduzindo-o nas conversas da família e participando de algumas tomadas de decisão do orçamento familiar, como férias e mesada.
Ampliando horizontes – O Porto Seguro também desenvolve o projeto extracurricular Escola de Negócios para Jovens, que tem como objetivo preparar os estudantes bolsistas do Ensino Médio para o mundo do trabalho com aulas de Educação Digital, Inglês para Negócios e Matemática Financeira, após todo caminho percorrido nas séries anteriores do Fundamental, em que os alunos ouvem falar pela primeira vez sobre educação financeira. Dessa maneira, é realizado todo um planejamento escolar com o objetivo de ensinar enquanto trabalha com o orçamento das famílias, ajudando na quitação de dívidas, pagamento de impostos e aumento de renda que chega a transformar a vida dos alunos.
A ideia de contribuir com a família dos estudantes surgiu do professor de Matemática Financeira William Ulisses, que trabalhou durante 20 anos em uma instituição estadual de ensino de São Paulo. “Temos a oportunidade de oferecer uma assistência financeira para os alunos, com materiais em sala de aula, computador e internet. Hoje o grande desafio é fazer um adolescente não levar a matemática financeira da escola para dentro de casa, mas tirá-la de dentro da casa dele e mostrar como o mundo funciona”, conta o professor.
Para William, faz parte do trabalho do professor ter um olhar diferenciado para os alunos, bem como compreender e criar um relacionamento de confiança no longo prazo. “O estudante de modo geral considera a matemática financeira desinteressante, por isso o educador precisa aprender que esse relacionamento é saudável e que é necessário se adaptar e inspirar os alunos. O olhar do professor é uma obrigação social, e eu percebi isso dando aula em Paraisópolis, porque lá eles não possuem aula de Matemática Financeira, apenas de Matemática pura, mas ela não mostra o caminho em si que ele precisa trilhar, já que muitos possuem comércio na comunidade”, afirma William.
O professor conta que fez uma pesquisa com todos os seus 117 estudantes no Porto e descobriu que 92% deles nunca tinham declarado Imposto de Renda. Muitos nem eram obrigados, mas, se quisessem, conseguiriam restituição do imposto. “Enxergando esse cenário, ensinei Imposto de Renda a eles com a intenção de contribuir com suas famílias, já que 400 reais de restituição representava um aumento de 20% no salário deles”, completou.
Desses 117 alunos, 20 complementavam a renda ou tinham como principal fonte de renda um comércio na informalidade, então o professor ensinou todos a abrir uma empresa na categoria de Microempreendedor Individual (MEI) e a ter um CNPJ, para dar esperança de um futuro seguro a eles e suas famílias, mostrando direitos como aposentadoria, benefícios, auxílio-maternidade e auxílio-doença, bem como explicando que a casa deles funciona como uma empresa, só que de larga escala. Além disso, 87% das famílias desses alunos possuíam alguma dívida ou uma conta não paga, então o educador mostrou como montar planilhas a fim de ajudar os jovens a realizar o orçamento familiar e a aplicação de renda fixa com o objetivo de planejar um futuro sem dívidas.
“Quando começamos a trabalhar com orçamento familiar, recebi muitas mensagens dos alunos pedindo auxílio para resolver problemas com dívidas e até pedindo ajuda para a família. Foi um grande orgulho poder ajudá-los. Tinha um caso de uma aluna que estava devendo 5 mil reais e, em contato com o banco, comigo e com a mãe para pensarmos um jeito de resolver o problema, a dívida se tornou mil reais e foi quitada”, relembra William Ulisses.
“Antigamente, quando recebíamos nossos salários, pensávamos em comprar e gastar; hoje ouvimos das crianças e dos jovens como eles podem aplicar o seu dinheiro. Nunca ouvi meu pai falar disso, nunca pensei nisso aos meus 16 anos. A educação financeira veio para ficar, afinal um adolescente de 15 anos pensando em aplicar dinheiro é algo surpreendente. A preocupação com a vida financeira acontece muito mais cedo agora se comparado com a minha geração, na época em que eu estava no Ensino Médio”, afirma o professor.
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LUCAS LIVIO ARDIGO
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