08/10/2024 às 14h42min - Atualizada em 13/10/2024 às 08h00min

McDonald's e alguns dos principais supermercados da Europa estão ligados ao desmatamento ilegal, à grilagem de terras e à violência no Cerrado

O frango vendido pela rede de fast-food McDonald's e por alguns dos principais supermercados europeus - Carrefour, Intermarché, Edeka e Albert Heijn - está ligado à perda de 23.000 hectares de vegetação do Cerrado desde janeiro de 2021 - uma área maior do que a cidade de Recife

APPROACH COMUNICAçãO
Divulgação

- A soja usada na producao de ração de frango na Europa foi produzida por fazendeiros ligados a desmatamento, à grilagem de terras, à corrupção e à violência contra comunidades tradicionais


-Dois desses grandes grupos têm fazendas certificadas pela Round Table on Responsible Soy (RTRS). Em resposta às descobertas da Earthsight, a RTRS suspendeu seus certificados
 

A ONG britânica Earthsight analisou imagens de satélite, decisões judiciais e registros de exportação para rastrear parte das 1,4 milhão de toneladas de soja exportadas do estado da Bahia para a União Europeia pelas gigantescas traders de commodities Bunge e Cargill entre 2021 e 2024. Nessa análise, foi possível identificar que parte dessa soja está ligada a desmatamento ilegal, grilagem de terras, violência contra comunidades tradicionais e corrupção.

Depois de ser exportada da Bahia pela Bunge e pela Cargill, parte dessa soja chega à Holanda e é transformada em ração animal. Milhões de frangos alimentados com essa ração são abatidos pela Plukon, a quarta maior produtora de aves da Europa, que abastece milhares de supermercados em toda o continente. A Earthsight identificou produtos de frango da Plukon no Carrefour e no Intermarché na França, no Albert Heijn na Holanda e nas lojas Edeka na Alemanha. A Plukon também fornece para o McDonald's na Europa. Somente a quantidade de soja exportada pela Bunge do Cerrado baiano para a UE é suficiente para produzir 428 milhões de coxas de frango por ano.

As fazendas investigadas pela Earthsight pertencem a alguns dos maiores produtores de soja do Brasil. Juntos, eles acumulam muitas de mais de 31 milhões de reais por desmatamento e violações ambientais no Cerrado e têm um longo histórico de conflitos com comunidades tradicionais. Um desses produtores está diretamente ligado a alguns dos piores casos de grilagem de terras no Brasil, representando milhares de hectares de terras roubadas que geraram ações judiciais do estado da Bahia. Esse mesmo produtor também está envolvido em um dos maiores escândalos de corrupção do Brasil, no qual juízes, advogados e empresas do agronegócio conspiraram para obter decisões judiciais favoráveis para legitimar aproximadamente 800.000 hectares de grilagem de terras.

Dois dos produtores de soja identificados pela Earthsight são certificados pela Round Table on Responsible Soy (RTRS). A investigação da Earthsight revela como o padrão e os processos de certificação da RTRS permitiram que fazendeiros ligados a desmatamento e às violações de direitos humanos no Cerrado parecessem éticos e sustentáveis. Em resposta às descobertas da Earthsight, a RTRS suspendeu os certificados das duas empresas enquanto realiza uma investigação interna

Segundo o vice-diretor da Earthsight, Rubens Carvalho, “As grandes traders, os fabricantes de alimentos e varejistas precisam parar de tornar os consumidores europeus cúmplices da destruição do Cerrado. Eles devem garantir que a soja ligada ao desmatamento e às violações dos direitos das comunidades não entre em suas cadeias de suprimento. Infelizmente, apesar de anos de promessas e compromissos, eles têm falhado nessa tarefa. A UE precisa se manter firme e garantir que o Regulamento de Desmatamento da UE seja totalmente aplicado a partir do final deste ano.”

O Regulamento de Desmatamento da UE (EUDR) marca um ponto de virada na abordagem dos impactos do consumo europeu. Ele exige que os produtos comercializados na UE sejam livres de desmatamento e produzidos em conformidade com as leis relevantes dos países produtores, como as relacionadas à corrupção e aos abusos dos direitos humanos. A análise da Earthsight mostra como a soja recentemente importada para a UE pela Bunge e pela Cargill está exposta à perda de florestas ocorrida após a data-limite de desmatamento da EUDR, em dezembro de 2020, bem como a outras ilegalidades no Cerrado, o que faz com que essas importações não estejam em conformidade com a futura regulamentação.

No entanto, no período que antecede a entrada em vigor da EUDR em dezembro de 2024, os setores famosos por estarem atrelados a desmatamento em várias partes do mundo e com um histórico notório de violações de direitos humanos estão tentando atrasar e enfraquecer a lei. “A legislação governamental em países consumidores ricos é essencial. Não há espaço para atrasos ou hesitação. A EUDR, aplicada em tempo hábil e de forma eficaz, é fundamental para garantir que o consumo europeu pare de impulsionar o desmatamento e as violações dos direitos humanos no exterior”, afirmou a Earthsight.

O Cerrado, uma vasta região de planaltos e vales exuberantes (imagens Earthsight) que cobre um quarto do Brasil e abriga 5% de todas as espécies do mundo. Mais da metade do bioma foi desmatada para a agricultura em larga escala nas últimas décadas. As emissões de carbono resultantes dessa destruição (imagens Earthsight) são equivalentes às de 50 milhões de carros adicionais nas estradas a cada ano. Centenas de espécies - incluindo tatu-canastra, antas, lobos-guará e onças-pintadas - agora enfrentam a extinção devido à perda de habitat.

A situação está piorando - o desmatamento no Cerrado aumentou em 43% no ano passado. Quase todo o desmatamento é ilegal, realizado por algumas mega propriedades que representam apenas 1% de todas as propriedades rurais. Nesse relatorio, a Earthsight revela que mais de 23.000 hectares de desmatamento de vegetação nativa foram identificados em fazendas pertencentes a dois produtores de soja entre janeiro de 2021 e maio de 2024 - uma área maior do que a cidade de Recife. Fazendas pertencentes a produtores de soja que têm relações comerciais de longa data com a Cargill e a Bunge.

Uma mistura de corrupção, ganância, violência (imagens Earthsight) e impunidade levou ao roubo flagrante de terras públicas e à desapropriação de comunidades locais (imagens Earthsight) ativistas locais na Bahia disseram à Earthsight que é raro que fazendas de grande escala não tenham se apropriado de terras de maneira ilegal. Como consequência, comunidades que vivem em harmonia com o Cerrado há gerações são expulsas das áreas que tradicionalmente ocupam e impedidas de realizar atividades de subsistência. Elas são submetidas a vigilância, intimidação e roubo de gado por pistoleiros ligados ao agronegócio, bem a ataques violentos contra seus líderes.

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A Earthsight é uma organização sem fins lucrativos com sede em Londres, comprometida com a exposição de crimes ambientais e sociais e suas ligações com o consumo global


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BEATRIZ OLIVEIRA SANTOS CUNHA
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